Para não esquecer...

PROTESTO ANTI-MINISTERIAL

Sou professor há mais de 30 anos.

Ao longo destes trinta e tal anos procurei ser um profissional empenhado e competente

[muitos poderão dizer se o consegui. Alguns vão dizendo que sim].
Ao longo destes trinta e tal anos conheci muitos professores empenhados e competentes
[também conheci alguns nem empenhados nem competentes. Uma pequena minoria].
Ao longo destes trinta e tal anos conheci vários governos, vários ministros da educação a definirem
[e mesmo imporem]
diversas políticas educativas nacionais, a adoptarem diversas "correntes pedagógicas oficiais".

Ao longo destes trinta e tal anos os professores fizeram das tripas coração para
  • alterar as suas práticas pedagógicas em função das mudanças superiormente decididas pelos vários poderes políticos;
  • suprir, a expensas próprias, falhas no apoio oficial que lhes seria devido mas não era dado
    [a título de exemplo, talvez nem o mais significativo: quantos professores compraram computador para trabalho profissional!];
  • completamente à margem de qualquer incentivo oficial, criar estratégias para potenciar a aprendizagem dos alunos
    [a título de exemplo: vejam-se na Web os muitos sites construídos por professores para apoio dos alunos, sem que para tal alguma vez tenham recebido apoio monetário ou mesmo de tempo ou mesmo de alojamento gratuito das páginas Web].
Ao longo destes trinta e tal anos os vários poderes descuraram inteiramente intervenções em domínios essenciais ao sucesso dos nossos alunos
[a título de exemplo: à excepção das conhecidas e polémicas "campanhas de alfabetização" imediatamente posteriores ao 25 de Abril, que governo deste país promoveu o que -- passe a designação pomposa -- poderia genericamente chamar-se a "promoção do nível cultural" das famílias onde os alunos nascem e crescem? E, no entanto, é aí que o sucesso dos alunos tem início...]
Ao fim destes trinta e tal anos a Dª Maria de Lurdes
[ministra da educação deste País -- até ver, porque os ministros não são eternos],
iluminada, descobriu que a causa de todos os males do ensino são os professores
[exactamente aqueles professores de quem acima falei].
E não há dia
[em que Deus a conserve viva]
que não desanque nos professores. Poderiam ser alguns
[que também há maus professores. E maus médicos. E maus mecânicos. E maus ministros. E outros maus governantes].
Mas não: são todos. Os professores. Os professores, diz a senhora, são os culpados pela insucesso escolar.

Poderiam ser algumas escolas. Mas não: são todas. A escola. A escola, diz a senhora, produz insucesso.

Ora, em nome do trabalho que os professores desenvolveram ao longo destes anos, eu não lhe admito que nos ofenda. O que a senhora diz é mentira, mas isso é o menos. Como representante do poder deste País, o que a senhora diz revela ingratidão em relação ao trabalho que os professores desenvolveram. O que a senhora diz é ofensivo.

Ora a senhora não tem qualquer legitimidade para nos ofender. Nem a legitimidade do voto que o seu governo frequentemente invoca
[a senhora parece esquecer-se que esses votos são das pessoas -- de algumas -- que anda para aí a ofender].
Nem o direito à asneira
[um direito que a senhora tem, evidentemente, mas não para estes efeitos].
Num mundo decente, seria impensável um governo com uma ministra destas. Mas o governo não parece ter vergonha
[e, quando a vergonha falta, tudo é possível].
A uma ministra destas
[dum governo destes]
os professores deveriam responder, no mínimo, com a gargalhada do desprezo. O mais provavelmente, com a sublevação. Com a sublevação.

escrito por ai.valhamedeus

2 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Que Deus a mantenha viva, de facto, porque se a apanho a jeito ...
Ai, que Deus me perdoa!

Muito bom, blog!

martim de gouveia e sousa disse...

de novo de punho erguido, levantado, sublevado, com sentido. que uma escola de coimbra, através da respectiva direcção, encontrou, demitindo-se, para não ficarem entalados nas palavras da ministra. há demissões que são exemplo, caminho, saída, arejamento. quanta gente assim, afinal? coragem tal, disseminada pelo país, seria melhor do que qualquer greve. haja coragem! abraço...