Para não esquecer...

MEMÓRIAS SOLTAS * VIII. O Madruga

Colega de escola, o António Madruga é um moço inteligente e superior a nós. Andámos na escola primária e sempre nos demos bem. O António caracteriza-se por ser um moço calmo, bom defesa, no futebol, e com um humor subtil. O António gosta de inventar histórias (ou estórias, palavra anglo-saxónica muito do agrado do Fernando Assis Pacheco).

O António diz as histórias mais mirabolantes com um ar sério e com ouvintes atentos. Nós juntávamo-nos debaixo da sacada da minha casa, nas noites de verão e aí o António não resistia.

Um dia, falávamos do avanço tecnológico imparável de outros países. O António saiu com esta. Na Alemanha mete-se um porco numa máquina e sai em salsichas no fim. Tudo muito sério a ouvir o conhecimento. Depois, está um provador no fim da cadeia. Experimenta uma salsicha, se não estiver boa, voltam a meter outra vez as salsichas na máquina e, na outra ponta, sai o porco vivo. A admiração foi (quase) geral e todos concordaram que os alemães estavam imparáveis em tecnologia. E o António em petas.

O António termina invariavelmente a sua história, fake news avant la lettre, com um invariável “ainda é vivo quem conta”. Um dia, disse-lhe “sabes porquê? Porque ainda ninguém te deu com uma cachamorra na cabeça”.

Fizemos uma viagem a Lisboa. Às tantas, deambulávamos pelo Martim Moniz, quando o Martim Moniz tinha vida e enxameado de vendedores. Quatro montanheiros vagueavam entre tendas. O António foi abordado por um indiano que lhe mostrava um relógio reluzente. Cada um foi para seu lado, mas o António enfrentou-o. “Queres comprar? Faço bom preço”. Aí o António puxou dos seus galões e disse “eu dedico-me ao mesmo”, “Ai sim, isto está mal, não está?” “se está, não se vende nada”. Livrámo-nos do vendedor e seguimos viagem.

Mas a história das salsichas na Alemanha não é descabida. Na Provence, em França, fazem-se salames de carne de burro. Um dia, um industrial de êxito quis mostrar ao seu filho, em cuja cabeça não abundava a inteligência, como era a produção de salames antes e depois. Depois, era tudo mecanizado. Metia-se o burro num lado e saíam os salames do outro. O filho, perspicaz, perguntou se era possível meter o salame num lado e sair o burro no outro. O pai disse, “claro que sim, meu animal. Foi o teu caso”.

escrito por Carlos M. E. Lopes

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