Para não esquecer...

HISTÓRIAS JURÍDICAS * 7 (acidente de viação e álcool, outra vez)

As pessoas acham que esta coisada de julgar é fácil. Então veja-se.

Um cidadão vai no seu carrinho e, num cruzamento, há um condutor que não para no Stop e bate-lhe. Vem a polícia, tomar conta da ocorrência, e sujeita os intervenientes ao teste de álcool no sangue. O cidadão que não respeitou o Stop acusou uma taxa superior ao legalmente permitido. Sei lá, 0,55.

O carrinho do primeiro cidadão ficou partidinho e ainda o homem teve de ir ao hospital receber tratamento. Houve despesas com ambulâncias e bombeiros. No fim disto tudo, a companhia de seguros do condutor culpado pagou cerca de 7 000 € de indemnização do carro espatifado, do tratamento hospitalar, dos bombeiros, ambulâncias, etc..

A companhia de seguros, depois, baseando-se numa disposição legal, requereu que o seu segurado lhe pagasse o que ela havia pago. Tinha direito de regresso contra o segurado, porquanto ele estava a conduzir sob o efeito de álcool e tinha tido culpa no acidente. Parece lógico, não?

Pois parece, mas a solução não é bem essa. É que a lei, desde logo o DL 552/85, dizia, no seu artigo 27º, que

«Satisfeita a indemnização, o segurador tem direito de regresso e/ou reembolso, conforme os casos, nos termos da lei geral e ainda contra o condutor, se este não estiver legalmente habilitado ou tiver agido sob a influência do álcool, estupefacientes ou outras drogas ou produtos tóxicos, ou quando haja abandonado o sinistrado; (. . . )». 
Se virmos bem, a lei exigia, não só que o segurado tivesse culpa, como se exigia que o acidente tivesse resultado desse estado de embriaguez. Havia, pois, um duplo nexo de causalidade. A Companhia tinha de provar não só a culpa do seu segurado, mas que o acidente se tivesse dado porque estava embriagado. À primeira vista parece simples: se teve culpa e embriagado, logo tem de pagar à Seguradora. Mas suponha que o condutor não parou no Stop porque se partiram os travões. Quer estivesse com os copos, quer não, o acidente dava-se na mesma. Isto é, se não estivesse com os copos, o resultado era o mesmo.

Como é fácil de prever, era muito difícil à Companhia provar o nexo de causalidade entre os copos e o acidente. Claro, a Lei foi alterada (DL 291/2007). E onde se lia ou tiver agido sob a influência do álcool, passou a ler-se contra o condutor, quando este tenha dado causa ao acidente e conduzir com uma taxa de alcoolemia superior à legalmente admitida. A “coisa” parece de somenos, mas deixou de existir uma palavrinha apenas, “influência”, para alterar tudo. Já não é preciso provar a influência do álcool no acidente. Ou, pelo menos, há quem assim entenda. E é assim que, num acórdão da relação de Lisboa, relatado pelo Desembargador Manuel Rodrigues, se lê que já não é necessária a dupla conexão. Basta ter culpa e ter conduzido sob o efeito do álcool.

Contudo, a coisa não é pacífica. Embora este acórdão seja de 14/3/2019 da Relação de Lisboa, este mesmo Tribunal considera, num outro aresto de 12/7/2018, redigido pela Desembargadora Ondina Alves, que haverá necessidade dessa dupla conexão. Isto é, na vigência da mesma Lei. Quem tem razão? Esperemos para ver… Um dia destes, poderá haver nova redação ou o Supremo poderá acabar com as dúvidas.

Pode ver os dois acórdãos citados, aqui e aqui.

escrito por Carlos M. E. Lopes

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