A história que hoje trazemos ao conhecimento dos nossos leitores é simples, mas gerou polémica e decisões contraditórias.
A, munido de procuração devidamente passada por B e C, vendeu a sua propriedade de um prédio a D. Por acaso, filho do procurador (deduz-se). B e C, estes casados entre si no regime de comunhão de adquiridos.
Entretanto o marido, B, morreu. A mulher, única herdeira do marido, vem ao tribunal requerer a ineficácia da doação, porquanto o procurador, A, agiu com abuso de representação, pois a procuração foi abusivamente utilizada. De facto, A tinha em seu poder uma procuração para poder comprar ou vender bens imóveis do casal, mas o procurador não poderia utilizá-la naquele ato para o qual não estava autorizado, tendo a mesma sido outorgada para um ato já realizado.
O procurador contestou, alegando ter agido dentro dos poderes que lhe tinham sido outorgados pela Autora e pelo seu marido.
O Tribunal de 1ª instância não deu razão à viúva e os Réus foram absolvidos.
Esta, claro, recorreu e o Tribunal da Relação
(sabe-se o milagre, mas não o santo. Qual a primeira instância e a Relação? Mistério…)achou que a viúva tinha razão e declarou a ineficácia da compra e venda e ordenou o cancelamento dos registos subsequentes.
Claro que, desta vez, quem se não conformou foi o procurador e Réu.
E aqui entra o nosso STJ.
O Réu conforma-se com a ineficácia da compra e venda em relação à Autora, mas diz que a venda em representação do marido desta é eficaz.
É aqui que reside o problema: pode a compra e venda ser eficaz em relação ao marido e ineficaz em relação à mulher? E aqui, tal como Marco Belini, a compra e venda de bens comuns funciona como um todo.
A mulher diz que nunca quis vender o referido prédio e o procurador atuou abusivamente ao usar a procuração por si subscrita e pelo seu marido. Além disso, nunca recebeu os 25 000,00 € constantes da escritura.
O bem vendido é bem comum e o Supremo acha que
os bens que integram a massa patrimonial comum do casal mantêm-se imperativamente indivisos enquanto perdurarem as relações patrimoniais entre os cônjuges, nos termos do art. 1689º do CC, de modo que, enquanto persistir o casamento, nenhum dos cônjuges se pode arrogar a titularidade de qualquer direito sobre bens específicos que integram o património comum do casal.
Por este motivo, na pendência do casamento, é vedado a qualquer dos cônjuges transferir para terceiro uma quota ideal sobre um bem que integra a comunhão.
Assim, face ao exposto, ainda que com fundamentação não inteiramente coincidente, acorda-se em julgar improcedente a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.E, assim, o procurador, lá viu o seu negócio ir embora.
Este acórdão é redigido pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, distinto juiz com grande produção escrita e coadjuvado pelos Conselheiros Tomé Gomes e Maria da Graça Trigo, e é de 28/2/2019. Por isso, fresquinho.
Pode consultar-se aqui.
escrito por Carlos M. E. Lopes
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