Para não esquecer...

Os Cartoons e o Código Penal

O nosso Código Penal anda muito avisado. Tem um título III na Parte Especial que trata dos crimes contra a paz e a humanidade. E tem um capítulo dos crimes contra a humanidade. E aí, no artigo 240, na sua al. b) diz que

será punido quem difamar ou injuriar pessoa ou grupo de pessoas por causa da sua raça, cor, origem étnica ou nacional ou religião, nomeadamente através da negação de crimes de guerra ou contra a paz e a humanidade; com a intenção de incitar à descriminação racial ou de a encorajar, é punido com pena de prisão de 6 meses a 5 anos.

Como se vê, a pena é pesada. E mais à frente, nos crimes contra sentimentos religiosos diz, no seu artº 251º:
Quem publicamente ofender outra pessoa ou dela escarnecer em razão da sua crença ou função religiosa, por forma adequada a perturbar a paz pública, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
Agora deveríamos tentar ver se se enquadra aqui a atitude dos cartoonistas e/ou dos manifestantes. Talvez as conclusões fossem interessantes (ou talvez não). Como se sabe, um dos elementos do crime é a intenção (e/ou a vontade para haver acção). Se esta não existe, não há crime. E a intenção, sendo um elemento subjectivo (o jogador teve intenção de agredir o adversário ou tirar-lhe a bola? todas as semanas temos discussões dessas) tem de ser determinada por elementos externos. Por comportamentos. “Eu amo-te” corresponde a uma expressão de cortesia um pouco ousada, ou à manifestação de um sentimento profundo? Qual a intenção com que se diz tal frase? Ora essa intencionalidade é fundamental para determinação da pena e mesmo para saber se estamos face a um crime ou não.

É pois perigoso, por poder levar a conclusões erróneas, julgar sem ouvir o réu. E sem ter em consideração todos os elementos em jogo. Mas não custa crer que, neste caso, não haverá qualquer crime, por não ser crível que os cartoonistas tenham tido a intenção de ofender os islâmicos (ainda que objectivamente o possam ter feito e tal pudesse levar a uma acusação, se o facto tivesse ocorrido em Portugal ou se os autores cá residissem). Sem cuidar de saber se os outros elementos do crime estão preenchidos. Quanto aos manifestantes, eles não actuam enquanto ofensores mas sim como ofendidos. Estão desculpados. Penso eu de que...

escrito por Carlos M. E. Lopes

1 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Muito, muito interessante! E aposto que existe legislação equivalente em todos os páises na União Europeia, incluindo na Dinamarca! Aliás, terá sido ao abrigo dessa legislação que agora foi condenado John Irving na Austria e Ken Livingston na Grã-Bretanha.
No entanto, o que eu acho é que nos estão fazer a cabeça no sentido de nos PROVAR a inutilidade de pensar: somos levados a aceitar, compreender e aceitar tudo o que nos é dito como um dogma. Aliás, e para minha grande tristeza, estamos quase totalmente transformados no estato conveniente de REBANHO!
Ana Queiroz