POIS!... [estórias exemplares] -4-

o sal da vida

Os botões e as teclas tiraram-nos o sal da vida. Roubaram-nos o erotismo do dedo metido nos buracos do telefone, a inquietante textura dos selos empapados em saliva e o roçar da grafite da lapiseira sobre o papel, que nos provocava prazer, se não arrepiasse. As lapiseiras amarelecem nas papelarias como príncipes destronados, enquanto os teclados e os ratos brilham nos seus reinos.

Nunca reparou na condescendência com que o seu telemóvel se vira para a vitrina onde descansam os lápis? Essa chamada não atendida, de um número misterioso, não é de um amigo brincalhão, é do seu telemóvel, que disse ao lápis "vai-te foder!" quando lhe passou ao lado.

Mas eis que chegou o vingador: o lápis da Nintendo DS, a última maravilha nipónica. É uma catana lançada contra a redondez do botão, contra a superfície da tecla, contra as costas do cursor. A gente sente-se como um miudito a fazer uma travessura, está-se na maior com uma dessas lapiseiritas antes reservadas aos executivos snob que nunca aprenderam a utilizar os seus PDA.

Voltou o sal, amigos, voltou o sal (...). Longa vida à lapiseira!

[Computer Idea, nº 48 [Fev/2005?])

traduzido por ai.valhamedeus