Para não esquecer...

PORTUGAL ACABOU

O futebol de alta competição vive-se

[vive-se! mais do que se vê]
em Portugal como se vive a religião e a guerra. A própria linguagem com que se interpreta
[interpreta-se! mais do que se descreve]
o(s) fenómeno(s) é sintomática
[particularmente quando utilizada pelos fazedores dos “media”]:
  1. Duelo de gigantesReproduzo ao lado a capa da Visão de 29 de Junho. A montagem dos retratos-meio-corpo de Figo e Beckham agiganta-os tanto como o título:
    "Duelo de gigantes".
    O desenvolvimento no interior tem título ainda mais "sugestivo"
    ("O combate dos deuses"),
    classifica o jogo Portugal-Inglaterra como "histórico e dramático" e refere-se ao "espírito guerreiro", que ilustra com uma foto de Ricardo Carvalho em pose de combatente, esclarecendo que foi este jogador quem "evidenciou, na defesa, o espírito guerreiro da selecção".

  2. À conquista de BerlimA imprensa publicada no dia do jogo Portugal-França não foi menos comedida
    [a lembrar nalguns casos o "espírito" da t-shirt que o meu vizinho vestiu, dominada pela promessa colorida -- adivinhem-lhe as cores! -- de que "até os comemos!"]:
    Vamos depená-losO Record e o Jornal de Notícias, cautelosa mas sugestivamente, garantiam que, neste "dia mágico", os jogadores da selecção estavam "prontos para a final". O Público, esse asseverava que "já ganhámos tudo mesmo se perdermos". A Bola prometia a conquista de Berlim e O Jogo, que o galo francês iria ficar sem penas.

  3. Especialistas em linguagem labial juram que o treinador Scolari reza nas grandes penalidades, ele que, segundo parece, também manda pôr velinhas a Nossa Senhora de não-sei-quê. Quanto ao guarda-redes Ricardo, sabe-se que é homem de ir a Fátima a pé agradecer as vitórias à Virgem local. É a mulher do mesmo guarda-redes que lembra que o marido "é um herói nacional"
    [é-se herói nacional por defender grandes penalidades?! -- pergunto eu].
  4. Mas ontem os deuses foram franceses
    [e a Virgem de Lourdes venceu a Virgem de Fátima].
    Segundo Scolari, o que aconteceu foi porque Portugal é um patinho feio
    [só ontem ou já antes? -- pergunto eu].
    Os jogadores e o seleccionador franceses já tinham dito que achavam os jogadores portugueses uns fiteiros. Pelos vistos, o seleccionador, também -- digo eu.

  5. Há dias José Carlos de Vasconcelos escrevia:
    "[...] é excelente ficar pelo menos entre os oito melhores do Mundo[...]. Claro que seria muito melhor estarmos nessa posição nos índices de nível de vida, desenvolvimento, literacia -- e por aí fora".
    É pena que a coisa não vá por aí fora e se fique só pelos futebóis. O Jornal de Notícias de hoje lamenta:
    "O sonho acabou".
    Provavelmente, Portugal também.
escrito por ai.valhamedeus

2 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Achei estranho que no final do jogo, os intervenientes, de acordo com o foram dizendo no final dos jogos anteriores, não dissessem: Perdemos, graças a Deus!
Pelos vistos atribuiram as "graças" árbitro.
Isto é o que se chama, utilizando a linguagem do meio em que estes futebolista e treinadores se movem, " ter dualidade de critérios".

Anónimo disse...

Valhame Deus: nas horas difíceis como esta - já não bastava o défice, os impostos, a carestia de vida, o preço dos combustíveis e a arrogante incompetência de quem nos governa, etc., a que agora se junta o fim do efeito anestesiante e alienante do ópio da bola - tu és mesmo bom a dar apoio moral. Valha-te Santa Justa (para não estar sempre a sobreocupar a coitada da Fátima, que também merece descanso em tempo de estio!)...