Para não esquecer...

O ABORTO E A IGREJA CATÓLICA

Conversava hoje com um amigo acerca da (im)possibilidade de a Igreja Católica (IC) poder vir a aceitar o aborto.

Penso que tal aceitação é totalmente possível. Mais: estou convencido de que, mais década menos década, a IC a aceitará

[como abandonará as proibições do casamento dos padres, do uso do preservativo, do acesso ao sacerdócio das mulheres... e outras tolices do género].
Bastará uma "cambalhota ideológica", daquelas em que a IC é perita
[do género daquela que deu para aceitar o evolucionismo].
Vou prever duas hipóteses de "cambalhotas", entre outras possíveis. O problema parece estar na afirmação de que, quando há fecundação, há também a intervenção divina para "colocar" a alma no ser nesse momento criado. Portanto, a partir desse momento, há uma pessoa -- e matá-la é crime. Parto daqui para as duas "cambalhotas", formuladas sem grande preocupação terminológica:
  1. Deus "coloca" a alma no momento em que o "feto" se torna pessoa. A IC defende actualmente que tal acontece no momento da concepção; mas nada impede que altere a sua posição, admitindo que esse momento seja posterior
    (cedendo, por exemplo, a dados... científicos: não foi o que aconteceu com a aceitação do evolucionismo, por exemplo?);
  2. Deus "coloca" a alma no ser que é fruto do amor. Mas há situações em que isso não acontece, por o fruto de uma relação não ser... fruto do amor: por exemplo, nos casos de violação ou nos casos de gravidez não desejada, etc. Nestes casos, o "fruto" não é uma pessoa, porque lhe falta a alma. Portanto, o aborto nestas circunstâncias é possível.
Penso que o maior obstáculo à aceitação do aborto por parte da IC não está na questão da alma, colocada por Deus
(uma questão facilmente resolúvel, como se vê acima),
mas na aceitação da relação sexual sem ser para fins procriativos
(esta parece-me ser também a razão para não aceitar o uso do preservativo).
Dito de outro modo: o problema para a IC é aceitar a relação sexual para fim da obtenção de prazer
[mas estou convencido de que a IC também lá irá, mais década menos década, sobretudo quando padres, bispos e papas começarem a casar e a... experienciar mais estas "coisas";-)] .
Mais: a história da Igreja e o pensamento dos teólogos clássicos também dão uma ajudinha na "cambalhota". Como nota Carl Sagan, nem Santo Agostinho nem São Tomás de Aquino consideravam homicídio o aborto em início do desenvolvimento do ser humano
[São Tomás, por entender que o embrião não tinha aparência humana].
Este ponto de vista foi adoptado pela Igreja no Concílio de Viena, em 1312, e nunca foi repudiado. A primeira colectânea de direito canónico, em vigor durante muito tempo
(segundo o principal historiador da doutrina da Igreja sobre o aborto, John Connery, S. J.),
defendia que o aborto só era homicídio depois de o feto já estar "formado" — mais ou menos no fim do 1." trimestre.

A questão fundamental do problema do aborto é saber quando é que o embrião se transforma em pessoa. As propostas fundamentam-se em critérios mais ou menos arbitrários
[é por isso que são contestáveis/contestadas].
Há quem proponha uma data por volta da 10ª-14ª semana, considerando ser esse o momento da passagem do embrião a feto
["feto" é uma palavra reservada à vida embrionária do homem, que começa ao fim de 3 meses de gravidez].
Esta data pode relacionar-se com a proposta por São Tomás de Aquino para a chegada da alma ao corpo, situada no 40º dia de gravidez.

A actual ideia católica do aborto como motivo de excomunhão é muito recente: data de 1869. É suficientemente jovem para justificar o seu abandono.

escrito por ai.valhamedeus

7 comentário(s). Ler/reagir:

martim de gouveia e sousa disse...

as ameaças estão nos adros, na alpaca dos bancos. e, no entanto, remo para outro lado e digo-te que vi aquele documentário célebre sobre o embuste do ataque árabe ao wtc e fiquei a pensar que as proibições estão muito mais nos países ditos livres (naquele que tu sabes, por exemplo). o estranho de tudo é que nínguém fala e corpo sobre corpo não há lugar para homens livres, caráspitas!

Anónimo disse...

caro ai Jesus,

Venho retribuir a visita que nos fez no anacruses.
Ainda continua um ferveroso adepto do sim. Espero que em relação ao "aborto musical" tenha outra opinião.

Sim, sim, eu também ponho a cruzinha no sim.

Abri agora um espaço só para comentários anónimos. Eles existem e representam uma grande parte dos comentários em blogues, trazendo palavras que de outra forma ficariam silenciadas. Neste caso é um não ao aborto verbal.

um abraço

rui

Padre Lúcio disse...

Caríssimos
A igreja é coerente nas suas posições. Não deveriam os defensores do sim preocupar-se mais em argumentar em favor das suas razões do que em mudar os fundamentos das crenças dos católicos?

Padre Lúcio disse...

Caríssimos
A igreja é coerente nas suas posições. Não deveriam os defensores do sim preocupar-se mais em argumentar em favor das suas razões do que em mudar os fundamentos das crenças dos católicos?
Janais os incréus poderão modificar os fundamentos teológicos?
Sexo é vontade e a vontade controla-se, caríssimos.
E sem sexo não há procriação.

Padre Lúcio disse...

Caríssimos
Penitencio-me pelo pecado da repetição do texto.

Ai meu Deus disse...

Sr. padre lúcio,

em verdade em verdade lhe digo: deus m'a'mim livre de querer mudar as crenças (ou os seus fundamentos) dos católicos ou mesmo dos apostólicos ou mesmo dos romanos. Ou mesmo dos outros.

E não quero por várias razões, de que destaco esta: não há necessidade, hão-de ser "eles" próprios a mudar.

Só pretendi lembrar um pouquinho de História, para concluir que
1) não há nada na TRADIÇÃO da Igreja (nem sequer nas Escrituras Sagradas) que proíba a tal cambalhota, quando ela for forçada pelos "ventos da História";
2) a recusa da despenalização do aborto tem, para os católicos, tanto fundamento (ou tão pouco) quanto o apoio à mesma;
3) a coerência das posições da Igreja é, por isso, total, quer apoie o sim quer apoie o não.

Como se entende, tratou-se de mero jogo argumentativo pelo prazer intelectual do mesmo (espero que me assista o direito aos mesmos -- ao jogo e ao prazer).

Deus o abençoe -- e a mim me não desampare.

Anónimo disse...

São muito totós estes inimigos da ICAR!
A ignorância sobre a História do Cristianismo é de cabo de esquadra!!
Resta-vos sempre va hipótese de escolher outro país.
Mas ninguém sai!!!
Há aí muita frustração,que se abate sobre a ICAR.
COITADOS.