Para não esquecer...

A ERA DA DISTRACÇÃO

Vale a pena traduzir (e ler) na íntegra o artigo de Miguel Ángel Santos Guerra, docente na Universidade de Málaga, como muitos saberão. O artigo intitula-se “La Era de la Distracción”:

Vivemos na era da distracção, na era das interrupções. A cada momento recebemos propostas para pensarmos em algo de diferente do que estávamos a pensar, para fazermos algo de diferente do que estávamos a fazer. É difícil concentrarmos a atenção de forma prolongada em algo ou alguém, porque os distractores que reclamam a mudança de foco são permanentes, multifacetados e poderosos. Resumindo, é muito fácil perder o fio à meada.

O comando do televisor, o telefone e o computador são três bons exemplos disso. O comando à distância é um instrumento que utilizamos para saltos frequentes de um canal para outro, de um programa para outro. As interrupções dos filmes através de blocos de publicidade são mais longas do que o próprio filme. E, desde logo, cada bloco publicitário faz-nos saltar, numa fracção de segundos, de um anúncio de um carro para um gel de banho, de uma máquina de lavar para uma varinha mágica, de um hambúrguer para uma batedeira.

Qualquer telejornal nos transporta, em segundos, da guerra no Iraque à atribuição de um prémio literário, de uma inauguração a uma partida de ténis, de um incêndio a uma detenção da polícia.

Outro objecto que nos ajuda a saltar com facilidade de um assunto para outro, de uma pessoa para outra, de um lugar para outro é o telefone. O toque do telefone pode interromper uma aula, um acto de amor, uma conversa, uma refeição, um concerto ou uma cerimónia religiosa (um padre com sentido de humor costumava dizer aos seus paroquianos antes de começar a missa: é sabido que Deus comunica connosco através de meios de que nem suspeitamos. Todavia, ainda não se demonstrou que o faça através do telemóvel. Por favor, desliguem-no). O toque do telefone diz-nos imperiosamente; “Tanto se me dá o que estavas a fazer. Agora atendes-me a mim.”

As mensagens pequenas (e respectivas abreviaturas) imprimem às conversas um ritmo apressado. São mais baratas e menos comprometedoras. Gastam pouco do nosso tempo. Quando se começa uma conversa sabe-se quando a encetamos, mas não quando vai terminar. Por outro lado, sabe-se que se escrevermos uma mensagem breve nos levará uns segundos. Não é fácil aprofundar um tema, qualquer que ele seja, através de um SMS. O meio condiciona substancialmente a mensagem.

Há três dimensões pessoais onde a interrupção acontece, de forma assaz intensa. A primeira é o trabalho. Não só o trabalho para toda a vida deixou de existir, como também ocorrem interrupções quase constantes nas tarefas que executamos. As mudanças são frequentes. Este facto tem consequências inerentes importantes na escolha, formação e organização do emprego.

Outra é a amizade. O problema não está em fazer amigos. O problema está em mantê-los, cuidarmos deles, cultivarmos as relações. Em resumo, mantermo-nos a elas leais. Há uma grande quantidade de amizades fugazes (binómio quase tão contraditório como o da neve a escaldar). “Era meu amigo” é um contra-senso. “Leva-me no teu coração”, disse Horácio a Hamlet. Assim, simplesmente: sem condições, sem exigências, sem preço, sem prazos, sem hipotecas, sem chantagens. A essência do sentimento de amizade é a lealdade. Lealdade significa etimologicamente”estar com”.

O terceiro é o amor. Basta vermos um programa do coração ou ler a imprensa cor-de-rosa para vermos com que facilidade se muda de parceiro. Aparecem terceiras pessoas, produz-se o cansaço, apresentam-se dificuldades. A frase de Fernández Flórez está hoje particularmente actual: “ Amar-te-ei eternamente até 5ª F”.

O entusiasmo de hoje pode resultar na indiferença, no ódio ou na agressividade de amanhã. Cada vez são mais frequentes as histórias de amor e de amizade que correspondem ao esquema de “se te vi, não me lembro”. “Não importa”, parece dizer quem as protagoniza. A vida bate-nos à porta, oferecendo-nos outra história provavelmente tão fugaz quanto a anterior. E toca a viver, que a vida são dois dias.
escrito por Gabriela Correia, Faro

1 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Pois.
Foi por causa destas merdas que apareceu a interrupção voluntária da gravidez.
Agora não se queixem.
No meu tempo, voluntários, só para a Marinha que nem era preciso saber nadar.
Naquele tempo a Armada tinha barcos e curiosamente mais Almirantes que barcos.
Tempos de fartura.
Agora é uma miséria