Para não esquecer...

MOZART E A MISSA SOLENE

Hoje levantei-me mais cedo do que o habitual.

Não porque é Sábado, como diria o Vinicius.

Mas porque é Domingo e eu quero ir à missa.

Isso mesmo!

Queria ir assistir à Missa Solene de Mozart, mais conhecida pela do Credo, na Igreja de S. Pedro do Mar em Quarteira.

Uma igreja enorme, toda modernaça, no alto da vila e devidamente enquadrada por blocos de betão e pelas “tendas dos ciganos”. Tendas será eufemismo, visto que são apenas umas barracas mal amanhadas, rodeadas pelos regatozinhos da praxe, atestando o tradicional saneamento básico.

O Coro, belíssimo, e a orquestra encheram de música divina aquele local de culto: de rituais mecânicos, diria eu. A espaços, mais frequentes do que o desejável, ouvia-se a voz do padre a entoar a lenga-lenga, o que me fez lembrar o tom do Salazar e compreender a razão pela qual o Marx terá dito que “a religião é o ópio do povo”.

Que diferença! Se Deus estava entre nós, como o oficiante se fartava de repetir, não falava com certeza através das suas palavras, antes através da música de Mozart e das vozes das sopranos. Enlevados e embalados pela música, alguns esboçaram o desejo de bater palmas, prontamente desencorajados pelo padre: por se encontrarem numa igreja!

Pelo meio, pediu-se e orou-se entre outros, pelas crianças, pelas catequistas. (A catequese, e não só aquela, é que nos tem tramado, como se sabe.). Desconheço se os ciganos ali tão perto, e que já tinham enviado os seus emissários para a habitual pedinchice, também estariam incluídos na longa lista dos que faziam parte das preces.

Na hora dos beijos e abraços aos vizinhos de ambos os lados, fingi-me de estrangeira registada (estranha já eu me sentia) a ver se escapava, pois não tenho o nariz insensível, nem o coração generoso do Paulo Portas nas feiras e mercados. É que, sobretudo o meu vizinho da esquerda, desconfio que não toma banho há algum tempo. Escapei.

Na hora do peditório fingi-me de desentendida e também escapei; não ao olhar de censura que me lançou a minha vizinha da direita. Enfim … a música de Mozart tudo limpa.

Nos finalmente, não escapámos ao pequeno sermão do padre, que exortou as crianças presentes, e eram muitas, a aprender música e a pedirem ao Sr. Presidente da Câmara a criação de uma Escola de Música na vila. Coisa aliás digna de registo. Quiçá a única. Enalteceu o trabalho dos músicos e cantores, trabalho árduo e persistente, necessário para que algo saia bem feito. No que teve inteira razão. Deveria repetir estas palavras aos mentores das Novas Oportunidades, dos CEFS e afins.

E então, sim! Então tivemos licença para aplaudir o trabalho bem feito, penso. Não as suas palavras. Mas não estávamos numa igreja?!...

Demonstrando o seu grande apreço pelos fautores daquele momento musical retirou-se em grande estilo; e com ele, todos os fiéis, crianças e catequistas incluídas, ficando o resto da missa de Mozart a ser perturbado pela saída destes e apenas escutada pelos que, atrevo-me a dizer, trazem Deus no coração, ou o que quer que seja que entendam por Deus. Sem precisarem do ritual de Domingo e do papar de hóstias.

Papar não. Comer. Comer é que é o verbo certo, pois pareceu-me ver as pessoas a mastigarem-nas, literalmente.

Tudo muda, incluindo a religião, nos seus atavismos. E, neste caso, ainda bem.

O que eu passei na minha infância, com medo que a hóstia tocasse os meus dentes: Pecado entre os pecados! Pecado nunca cabalmente, sequer, explicado. O estômago a doer de fome imposta! Indefesa na minha fé inabalável na minha Avó e na Santa Madre Igreja.

Felizmente a minha Mãe veio em meu auxílio, apiedada das minhas dores que me faziam contorcer, e proibiu a Mãe dela de me levar a rezas tão pouco aconselháveis, do ponto de vista da saúde infantil. Para grande consternação da minha Avó que a apelidava intimamente de ímpia. “Ó se me creste, gente ímpia! Rasga meus versos e crê na Eternidade!”

Mas levou tempo a extinguir-se o medo “das penas do Inferno”.

Se me fosse dado adivinhar que, muitos anos depois, este afinal não existia! E nem o Limbo!

Está mal. Sinto-me defraudada.

E, acima de tudo, a Língua Portuguesa quedou-se mais pobre, no que às metáforas diz respeito. E também aos trocadilhos. No fim de contas, o Inferno e o Limbo davam tanto jeito…

Gabriela Correia
Faro, 09 de Dezembro 2007

escrito por Gabriela Correia, Faro (09 de Dezembro de 2007)

2 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Eu apesar de não ser católica tambem não perdia esta oportunidade, a música dele traz me paz, harmonia e felicidade em qualquer situação e em qualquer lugar one eu esteja.

Acho que a Sra. é minha professora.

Anónimo disse...

*não iria perder