Para não esquecer...

NÃO JULGUES POR EU CANTAR

1.

Há no espectro político português um partido que exibe – como símbolo identificador – uma rosa estilizada; já por lá esteve um punho e, se a moda pega, porque em tudo o resto floresce, bem lá podem colocar um caule cheio de espinhos. Pode ser de rosa, não precisa ser tojo.

Hoje, este partido, talvez por no Porto mais florescerem os espinhos do empobrecimento, resolveu celebrar por aí três anos de indigente prática política e, depois de sabermos que as suas propostas para o futuro são basicamente duas: a regulação das tatuagens e piercings em menores de 18 anos e a esterilização de cães perigosos/raivosos, não podemos deixar de ficar agradecidos por tão atinentes preocupações que reconduzirão os jovens ao bom caminho desmetalizado e lhes permitirão circular num mundo onde não haverá senão cães dóceis e meigos, perfeitamente inofensivos. É este o mundo maravilhoso que, depois de três anos de tão profícuo trabalho, se abre no nosso horizonte. Escusamos de esperar por amanhãs que cantam. Hoje cantarão no Porto e o refrão, roubado à organização do evento,
"Não julgues por eu cantar/ que a vida alegre me corre / Eu sou como o passarinho, oh ai! / tanto canta até que morre"
só perde se não se concretizar, já!

Esta era uma das urgências.

A outra, que também deve merecer a nossa reflexão, prende-se com os gastos sumptuários na montagem da “festa”, enquanto o país se consome e mirra. Afinal as dificuldades têm sempre os mesmos destinatários; uns tantos conseguem passar por entre a chuva, incólumes! Dá que pensar.

(Jerónimo Costa)

2.
O mundo perfeito na redoma tecnológica

Duas horas custam 50 mil euros

É uma curiosa escolha, com um curioso primeiro verso
"Não julgues por eu cantar/ que a vida alegre me corre".
Vai abrir assim, repicante, o comício de hoje à tarde do PS no Porto, com um cante alentejano cantado a trinar:
"Rouxinol repenica o cante".
Os amadores das ideias zelosas não deixarão de anotar outra curiosidade: o cântico é um clássico da resistência à ditadura.

Se também visto da perspectiva logística, o comício do PS parece ser um legítimo espelho da imagem que quer dar o partido que hoje nos governa português, providentemente popular, mas a arreganhar-se todo da tecnologia que cria acontecimentos através do espectáculo político.

Os equipamentos são de ponta 40 toneladas de som, luz e robótica, mais um ecrã gigante, ledwalls e colunas de flexivision.
"É tecnologia nova, a segunda vez que se usa em Portugal. A primeira foi na semana passada, no Festival RTP da Canção",
confidencia Domingos Ferreira, leal técnico do partido, há anos produtor dos 'happenings' do PS, ainda Soares era secretário-geral, ainda depois por lá passaram Sampaio, Constâncio e Ferro até chegarmos a Sócrates
- "sim, ele é o secretário-geral mais tecnológico".
Forrado com um fofo chão prateado, uma alva brancura no tecto, o cenário de milhares de luzes vai assemelhar-se a uma perfeita redoma, criando um efeito fechado sobre um ponto o pequeno palco redondo de três metros, um palco de 360 graus à Obama. O orçamento para tudo anda entre os 40 e 50 mil euros: monta-se em 24 horas; ocupa uns 40 técnicos.

Atirado para o Pavilhão do Académico Futebol Clube, alugado como quinta escolha - Coliseu, Pav. Rosa Mota e Mercado Ferreira Borges já estavam todos tomados; da Praça D. João I, a céu aberto, houve medo... da chuva -, o comício decorre num local propício a emboscadas ideológicas a longa e muito estreita rua de Costa Cabral.

Para o acontecimento são esperados sete mil militantes socialistas, com três mil a vir de outros distritos. Quantos deles vão cantarolar o resto do cante
"Não julgues por eu cantar/ que a vida alegre me corre / Eu sou como o passarinho, oh ai! / tanto canta até que morre"?
(JN, 15 de Março de 2008 José Miguel Gaspar, jornalista)

escrito por Jerónimo Costa

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