Para não esquecer...

O SOLSTÍCIO DE VERÃO

Hoje celebra-se o solstício de Verão, o dia mais longo do ano, no hemisfério Norte, como toda a gente muito bem sabe. Porém
(há sempre um porém, como dizem os brasileiros),
quando era pequena os dias maiores pareciam os de Agosto, quiçá por ter todo o tempo do mundo para brincar! Quiçá por terem lugar as ceifas em tardes de calor abrasador e de arroz-doce levado pela própria, que eu acompanhava deliciada por entre os campos semeados de papoilas cor de sangue, aos assalariados da minha tia, dona de casa de lavoura. Será por isso que sempre gostei de Trindade Coelho e Júlio Dinis?

Para não falar do meu querido Miguel Torga.

Ora, este solstício celebra-se em Inglaterra no círculo mágico de Stonehenge, onde se reúnem mulheres grávidas, druidas, hippies, casais de namorados, e quem quiser e for amante destes e de outros costumes, dos quais, tenho cá as minhas desconfianças, muito poucos conhecem a origem, mas que para o caso tanto faz. O que importa é a celebração, o fugir à rotina, e principalmente ao triste espectáculo da “tourada” dos adeptos juvenis do futebol, cheios de símbolos desportivos, ou antes futebolísticos, que o comércio muito agradece, envolvidos em confrontos degradantes, sendo notícia nos telejornais do nosso descontentamento. Acho que prefiro a tourada propriamente dita, pese embora não gostar delas. Sempre é um fenómeno mais intrínseco à nossa cultura e talvez menos bárbaro. Tenho de confessar que nos meus muito verdes anos, assisti a uma tourada popular numa aldeia da Beira, terra natal duma colega de Liceu que me convidou para as festas. Já na altura não gostei. Da tourada.

Mas do que gostei de ouvir, neste dia do solstício de Verão, foram as palavras dos amigos de Jorge Amado, numa homenagem ao escritor e à sua companheira Zélia, na Casa da Cultura da América Latina, transmitida pela Antena 2. Das intervenções retive a narrativa de José de Vasconcelos de uma peripécia jocosa passada aqui no Algarve entre Jorge Amado e um feirante que não via, com toda a certeza, a telenovela brasileira “Gabriela, Cravo e Canela”, confundindo assim o escritor com um americano. Por causa das camisas enramadas. É claro que se não fosse esta nossa mania de tomarmos a parte pelo todo, ele teria razão, já que o Brasil fica na América. Só que na menos rica. De dinheiro, convenhamos. Que de cultura estamos conversados.

Numa outra intervenção, a Dr.ª Maria Barroso referiu-se à proibição do escritor por parte do Estado Novo, o que resultou em proveito daquele, pois a proibição aguçou a curiosidade juvenil e toca a lê-lo à sorrelfa, que se faz tarde. Nomeou igualmente a telenovela que fazia parar o país. Hoje é mais o futebol: outros tempos. “O tempus, o mores!”

Isto eu posso testemunhar. O meu ilustríssimo e querido professor Paulo Quintela apressava os oradores, coagindo-os a terminar, na Casa Alemã em Coimbra, “pois tenho de ir ver a minha querida Gabriela”. Quem me conhecia, olhava para mim de soslaio e sorria.

Até eu lamentei a minha partida para a Polónia, num intercâmbio juvenil, perdendo por conseguinte os capítulos finais. Mas valeu a pena. Na Polónia de então, da solidariedade, os poucos carros existentes davam boleia aos jovens estrangeiros de mochila às costas, à descoberta da cultura polaca por sua conta e risco. Qualquer pessoa sem transporte próprio, homem ou mulher, velho ou novo, vinha para a estrada pedir boleia, deixando uns zlotis no tablier como agradecimento. Mesmo carros da polícia e do exército!

É desta Europa assim unida na diversidade que eu tenho saudades. Não da Europa da globalização económica, do psitacismo cultural.

(Faro, 21 de Junho de 2008)

escrito por Gabriela Correia, Faro

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