Nunca estive em África.
Bem, pelo menos no sentido em que se costuma dizer que se esteve neste ou naquele lugar: viver lá.
A África a que me refiro é a chamada “África Portuguesa”, como soía então dizer-se.
Já estive em Marrocos, como quase toda a gente, no enclave espanhol de Ceuta, outrora também “dos portugueses” de antanho, ao que os de agora, com o seu proverbial desconhecimento da História, erguem uma sobrancelha de incredulidade.
Mas nunca estive na outra África, que tomávamos pelo todo, à época.Assim sendo, nunca senti os ditos cheiros, as lonjuras intermináveis, o pôr-do-sol “como não há outro”, no dizer saudoso dos que retornaram, ou vieram pela primeira vez, enfim, dos que se rasparam de lá com uma mão à frente e a outra atrás. Nem todos. E perdoem-me se vos soar a um juízo de qualquer ordem; mas não é. Eu teria feito o mesmo. Quando se trata de salvar a pele vale tudo. E ainda bem, ou já não existiria a espécie humana. A este propósito, leia-se, sobretudo quem lá esteve, o Pepetela e o seu “O Quase Fim de Mundo”.
Voltando ao tema: não estive lá, mas fui vítima dos fios, tão invisíveis quanto imbricados, que desenham a tessitura social global e que foram/são urdidos nas “Altas Esferas do Poder”.
Por consequência, sentei-me no sofá, atenta à reportagem da BBCNEWS, (onde já passou, pelo menos umas 3 vezes, a entrevista a Ingrid Betancourt, feita por um repórter inglês desta estação, num hotel de Paris), reportagem essa amplamente noticiada e cujo título: "ESCAPE FROM LUANDA”me causou curiosidade. Foi estranho ouvir falar português com legendas em inglês; por vezes revelando-se, todavia, muito úteis, e percebe-se porquê.
Ora, a reportagem era sobre 2 jovens e uma senhora nos seus 40, vivendo nos musseques, agora de reboco, com corredores estreitos entre as casas e o respectivo regatozinho a céu aberto, os quais me fizeram lembrar, para muito pior, o bairro de Kreuzberg junto ao Muro de Berlim, onde viviam as famílias dos Gastarbeiter, maioritariamente turcos, como se sabe.
Contra todas as expectativas, estes angolanos conseguiram sair da espiral de pobreza através, imagine-se, da música. Da qual não desistiram mesmo que, para cumprir o seu sonho, se tivessem de deslocar a pé quilómetros, ou aturar horas nos engarrafamentos. “Sem a música, eu sinto que morro”, clamava quase em desespero a senhora mais velha, quando a Escola de Música fechou temporariamente, por falta de verbas.
Falta de verbas! Num país que exporta petróleo para a China e Estados Unidos, à frente do Kuwait, como se disse na reportagem. E mais se disse que Angola, tão rica, gasta em Educação, menos do que o Ruanda, e a morbilidade infantil é maior do que no Afeganistão.
Ficou, igualmente, o apontamento da crítica de um dos jovens cujo dedo acusatório não levava etiqueta, porque ”aqui, quando se diz a verdade, vai-se directamente para o caixão”. (sic)
P.S. Pode ser que agora o salvador e omnipresente Sarkozy (o meu computador não reconhece o nome e propõe-me, entre outros, sarnoso) intervenha e resolva o problema, como resolveu outros, o que as más-línguas negam. Hoje, dia Nacional da França.
escrito por Gabriela Correia, Faro
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