Para não esquecer...

estórias da carochinha * 1. A FIGURA

As palavras lançadas para o ar da tarde buliçosa chegaram-me antes da figura.

Chegaram-me amortecidas pelos fones, a separar-me do bulício apetecível, humanizando a música nos meus ouvidos. Literalmente. Ou talvez fosse o contrário.

Só depois me chegou a figura. A figura que lançava as palavras como pedras, acompanhadas de gestos de tribuno perante audiência distraída. Ou maestro pondo na ordem os desmandos e desmandados amadores da partitura.

Seja como for, era uma figura ainda jovem, de estatura um tudo-nada acima da mediana, a atirar para o gordo. Nem bem, nem mal vestida. Sem destino definido. A oratória sem nexo, ou talvez fazendo muito sentido; pelo menos para ela.

Os utentes do sol da esplanada olharam-na, mais por via do som das palavras do que por verdadeiro interesse.

Tirei os fones dos ouvidos e atentei mais nas palavras do que na figura.

Foi então que o vi. Primeiro reparei no denodo com que, orgulhoso, passava fintando as mesas, erguendo bem alto a bandeja, qual facho ou troféu olímpico. Depois vi o sorriso, que não soube interpretar. Simpatia postiça, domínio sobranceiro, ou timidez disfarçada?

Ao nível do chão três cães brancos, felpudos, lindos, descansavam aos pés da dona que segurava na trela com autoridade e sem margem para dúvidas.

Aproximou-se de mim e indicando a figura sobressaltou-me com a pergunta:

-- Sabe quem é?

[continua]

escrito por Gabriela Correia, Faro

2 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

A propósito de estórias da carochinha:

- Por que é que o cabeçalho do blog continuo com esse horroroso e vil "ALLGARVE".

Será que a lagarta do pinho não causa comichão ao pessoal?

Fica à consideração do senhor Director-Geral do blog

Ai meu Deus disse...

Caro anónimo,

só há um objectivo: parodiar "esse horroroso e vil" fenómeno -- a united kingdom new colony.

Mesmo assim, admito que possa fazer comichão (porque é o que eu próprio sinto quando vejo algumas figuras do ilustre, salvo seja, governo da dita lagarta).

Digam os nossos leitores o que pretendem -- e a sua soberana vontade será feita...