FARO E OS MOTARDS

Eles estão aí. E vão ficar até Domingo! Os motards. Ou motoqueiros, como quiserem. Seja como for, o meu computador não reconhece nenhuma das palavras. Ambas e duas não foram identificadas. Será por falta de chip?

Se eu fosse o Emídio Rangel (God forbid!) diria: eles estão aí, os hooligans.

Enfim, eles estão aí. E são esperados 40 000 na “Capital do Motociclismo”. Assim reza o grupo escultórico em metal reluzente, no início de uma das artérias principais e de entrada no burgo. O que dificulta a visibilidade da passadeira e dos peões que se apresentem pela esquerda aquando da sua menção de atravessamento. Ou o automobilista anda devagar, o que é louvável e aconselhável, ou terá de fazer uma travagem mais eufórica para não atropelar o peão, arriscando-se a fazer um pião e dar cabo do seu automóvelzinho, coitadinho. Estou a ser irónica, mas algo terá de ser deslocado: ou a passadeira, ou a escultura.

Bom, mas eles estão aí! Para gáudio do comércio, desespero dos ouvidos mais delicados, e êxtase dos “amantes das duas rodas”. As bicicletas não têm também duas rodas?

E mais substantivos encumeásticos: para honra e proveito das strippers. (O meu computador é muito pudico, também não reconhece a palavra). Para quando dos strippers?

Após tão longo intróito destilando veneno, ficareis muito admirados, ou não, se vos confessar que já fui pendura de um motard e participei em concentrações.

-- Mas isso foi in illo tempore, direis vós.

Não foi, não senhores. Foi pouco antes da Aldeia da Luz ser alagada. A propósito, leiam “O Prenúncio das Águas” da irritante, porém excelente escritora, Rosa Lobato Faria. E não, não tenho nenhum contrato firmado com O Plano Nacional de leitura!

O certo, certo é que as strippers são elementos relativamente recentes nestes acontecimentos. E nem todas as concentrações de motas as incluem. Há cerca de um mês ouvi um motard-spokesman afirmar no telejornal que o seu grupo ia em peregrinação a vários sítios de Portugal, transportando árvores para serem plantadas. Uma ideia excelente. A reflorestação é urgente.

Como eram também as ideias dos organizadores das concentrações dos veículos em questão quando eu por lá andava; uma delas contemplou uma exposição de pintura em Santo Tirso e outra uma visita cultural à tal Aldeia da Luz; antes que as águas e os decretos gabinísticos a tragassem.

Desta última guardo foto para a posteridade e uma estória verdadeira digna de registo, para que se não perca quando o Alzheimer atacar. Por decreto da idade e, quiçá, da hereditariedade.

Pois bem, a trupe dos motards chegou, barulhenta, à pequena aldeia depois do almoço e adivinhem aonde todos se dirigiram mal poisaram o pé na terra batida do largo principal? Ao café, não da esquina, mas do centro. E foi um pedir de bicas ao senhor de uns 60 e tal anos, de rosto afogueado, afobado, calmo porém, ante aquela invasão dos Hunos do séc.20 (ainda foi nesse). O homem não tinha mãos a medir, apesar de ajudado por uma rapariga muito mais nova. Sobrinha, nora, … que sei eu. Não sejais maldosos!

Atendidos que foram os mais apressados, e quando a venda estava um pouco mais vazia, o dono virou o rosto sorridente e ainda muito corado para nós, os que não tínhamos tanta pressa, e indagou, com bonomia, calma e sotaque alentejanos: “Mas donde é que vem esta gente toda? E com tanta pressa?” Foi uma barrigada de riso. Ainda bem que ficámos para o fim. E é por estas e outras que eu amo o Alentejo!

Nunca mais me esquecerei do episódio. Não éramos 40 000, nem sequer 1 000. E também não éramos “a maior concentração de motas do mundo”. Ámen!

escrito por Gabriela Correia, Faro