Para não esquecer...

MANOBRAS DE DIVERSÃO FALACIOSAS

O actual poder pê-èsse distingue-se, em vários aspectos, de outros anteriores poderes
[a comparação é com outros poderes... autoritários. Não sei se tanto se menos autoritários que o poder pe-èsse. Para termo de comparação, podem ser os governos cavaquistas].
Há um aspecto que me chama particularmente a atenção: a frequência da argumentação
[Cavaco "argumentava" que não lia jornais; proibia os ministros de falar a não ser em dia para o efeito reservado a eleitos...].
Para tomarem o ar de democratas, os actuais governantes pê-èsse, e seus lacaios, aparecem com frequência a justificar os seus actos. E com frequência fazem-no de modo tal que bem poderiam ser belíssimas ilustrações para os professores de Lógica apresentarem aos seus alunos exemplos de falácias.

Sejam dois exemplos tirados das notícias recentes. Está na berra a polémica sobre os chumbos no ensino. Não me pronunciarei aqui sobre se os alunos devem ou não chumbar. Limito-me a analisar brevemente as justificações de um tal Valter Lemos, personagem sombrio do actual ministério chamado da educação, e de um tal Albino Almeida, de uma tal Confederação Nacional das Associações de Pais. Diz o primeiro que o governo não quer proibir as escolas de chumbarem os alunos até ao 9.º ano de escolaridade. Quer é que os chumbos desapareçam naturalmente, "reforçando as estratégias e as medidas de apoio à recuperação dos alunos, de forma a que a retenção e a repetição de ano deixem naturalmente de acontecer".

A gente ouve isto e pensa: bem... quem poderá estar em desacordo? Mas não há aqui nada de novo: isto foi o que sempre se quis e se quer -- que os chumbos desapareçam naturalmente
(isto é, que os alunos passem sabendo).
Só que a questão não é essa: a questão é a de saber se os alunos que não sabem 
[vamos pôr entre parêntesis o carácter um tanto indefinido deste conceito]
devem ou não passar. Sobre isto o que o manhoso Valter parece pensar é que o Ministério não quer "pura e simplesmente proibir as retenções de alunos por via administrativa", como acontece na Finlândia. Mas não quer porquê? Repare-se na "fineza" da argumentação: porque "no caso português, o princípio da retenção e de repetência está muito arreigado, com muita gente a pensar que, se não houver chumbos, não há exigência".

Aí está! A rejeição da coisa não é por a coisa ser correcta ou incorrecta, é porque, para já, o povo não iria perceber
[portanto, quando o povo perceber...].
Aonde foi parar o anterior argumento de que o que se quer é que os alunos passem sabendo? Qual das 2 posições é a verdadeira posição do ministério? A história recente deste ministério faz-me supor que ele está interessado é em aumentar o "sucesso" nos termos noticiados ultimamente: aumentá-lo nas estatísticas
[e a impossibilidade do chumbo consegue isso às mil maravilhas, quero dizer, completamente].
A falácia mais comum nos argumentos destes tipos é precisamente essa: a manobra de diversão. Ensina a Enciclopédia de termos lógico-filosóficos, da Gradiva, que esta falácia acontece "quando quem argumenta procura distrair a atenção de quem o ouve mudando completamente de assunto e acabando por ou retirar uma conclusão acerca deste outro assunto como se fosse a continuação do anterior, ou assumir simplesmente que alguma conclusão foi tirada". As manobras de diversão destes tipos têm esta nuance: apresentam as razões que sabem que o público aceita para justificar as conclusões que o público aceita, sendo que a interpretação dessas conclusões as transforma em outras, quando "aplicadas"
[encontramos ilustrações exemplares desta manobra quando lemos as justificações de determinados actos/diplomas legais e as confrontamos com as determinações que se lhes seguem. Recordo só dois casos: a invocação do reforço da autoridade do professor para justificar o novo Estauto do aluno; a invocação do direito(?) dos professores a serem avaliados, para justificar um modelo de avaliação contra o qual está a esmagadora maioria dos professores].
O cuidado destes tipos às vezes é insuficiente para esconder o rabo do gato... escondido com rabo de fora. Aconteceu acima com o tal Valter. Acontece agora com o tal Albino. Concorda este com o fim dos chumbos. Porquê? Justificação expressa: "O facto de as escolas não poderem reprovar os alunos obriga-as a fazer com que os alunos atinjam os standards mínimos do currículo". Está aqui presente outra característica da argumentação destes tipos
[em que os governantes actuais têm sido mestres]:
predomina o argumentum ad populum
[uma falácia que, explica a referida enciclopédia, consiste em tentar persuadir alguém de algo despertando o 'espírito das massas' ou fazendo apelo a sentimentos que se supõem ser comuns à generalidade das pessoas].
No argumento abilinino, o sentimento, que se supõe generalizado, é o de que "as escolas"
[os professores, que são quem nas escolas ensina]
estão cheias de malandros, que é preciso "obrigar" a trabalhar pelo sucesso, pelos mais refinados mecanismos.

Mas a fineza da argumentação abilinina não termina aqui. Acrescenta: "Já pensou o que é que representa de impostos deitados à rua os alunos que demonstraram dificuldades específicas terem que repetir o ano todo?".

Cá está a machadada final! Dupla machadada:
a) um argumento que apela ao "sentimento económico" das pessoas, num momento particularmente grave de crise financeira apregoada como generalizada;

b) um argumento com verdadeiro valor para os donos dos cifrões
[ministério das finanças e belmiros incluídos],
que anula o valor de qualquer outra alternativa -- designadamente, pedagógica
[e eu lembro, como contraponto, o slogan "a educação é cara? experimentem a ignorância!".
...e cá vamos cantando e rindo. Para não chorar...

escrito por ai.valhamedeus

4 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Espero que não deixes por aqui esta magnífica aula de lógica com os seus exemplos tirados da vida quotidiana, como deve fazer um bom professor.

A teoria do tal Lemos sobre os chumbos vai embrulhada noutra falácia muitíssimo usada na praça partidista: a de causa falsa .
Como se a conclusão - «todos os alunos passam sempre» - estivessese apoiada em premissas como: «sabem/aprendem o que se lhes requer»; «os professores ensinam mais e melhor»; «a política pública sobre educação vai pelo bom caminho», quando se sabe que o interesse político é que eles passem por via administrativa ou pela pressão exercida sobre os professores. Ou seja, o que interessa e o que convém é que eles passem, não que eles aprendam.

J Alberto

Anónimo disse...

Mais uma vez, na mouche. Muito melhor do que qualquer texto do Santana Castilho!
Já o disse e repito: a inteligência de alguns é a inveja de muitos.
E nos inteligentes não incluo os Albinos, os Valters, as Lurdes deste país.
Gabriela

Anónimo disse...

Toino, és soberbo. É por isso que tento ser teu amigo. Parabéns públicos.
Carlos lopes

Anónimo disse...

Segundo a ministra o sucesso, deste ano, dos alunos é mérito dos professores.

Então se o mérito é dos professores e dos alunos que trabalharam mais não se entende que haja alterações no sistema de avaliações que tão bons resultados está a dar.

E logo no ano em que o sucesso é evidente (autêntico milagre) a ministra vai propor a passagem obrigatória de todos os alunos.

Ou será que na 5 de Outubro não acreditam no MILAGRE

Nunca pensei que um ministério conseguisse 100% de sucesso mas este vai conseguir.

Abençoada equipa ministerial

E a Europa vai roer-se de inveja quando vir as nossas estatísticas.

É bem feito que é para não andarem a armar aos cucos.

Nalguma coisa o governo so cretino havia de ir à frente