Para não esquecer...

A QUESTÃO DAS HERANÇAS

Uma das consequências da reprovação do projecto de Lei sobre o casamento dos homossexuais é no domínio do direito da família.

Patrocinei mais de cem processos de divórcio até hoje. Não encontrei nenhum que não tivesse subjacente o problema económico ou financeiro. Ou porque o marido não queria dar à “gaja” o que ela queria, ou porque ela não poderia dar aquilo que ele queria, uma vez que o património era dela
(mais os primeiros casos do que os segundos).
Recentemente patrocinei uma senhora cancerosa. Realizada a conferência, o marido disse que vinha sozinho à conferência, que não podia decidir, tinha de falar com o seu advogado. A conferência não decidiu nada, o processo seguiu os seus termos, o marido contestou
(através de advogado).
A razão de ser desta “impreparação” tinha que ver com um facto simples: a minha cliente estava cancerosa em fase terminal e havia património a dividir, sendo que havia “coisas” dela.

Antes do julgamento, a senhora faleceu. O senhor tentou marcar uma consulta comigo para saber quanto me devia. Recusei e mandei dizer que o processo de divórcio continuava. Fez-se o julgamento e o divórcio foi decretado, tendo sido o senhor em questão considerado o único culpado. Qual a razão por que conto esta história? Porque no meio disto tudo estão questões de honra, é certo, mas também questões financeiras e económicas de carácter prático importantes. Nesta circunstâncias o homem não era herdeiro da mulher e isso fazia toda a diferença.

No direito português, como na maioria do direito continental
(ou todo),
há uma categoria de herdeiros que são os herdeiros forçados. Isto é, eu sou senhor de um património que não posso dispor a meu bel-prazer. Tenho alguém a quem tenho de deixar uma percentagem dos meus bens, quer eu queira ou não. Suponhamos uma situação. Um indivíduo homossexual repudiado pela família. Vive com outra pessoa do mesmo sexo, tem um património avantajado adquirido na sua actividade fora da família. Quer deixar esse património por inteiro ao seu companheiro. Não pode. A família, os pais, têm direito a uma percentagem. Esta questão que se pode invocar aos homossexuais verifica-se com os heterossexuais. Mas no caso dos homossexuais é mais gritante.

O PS, ontem, deu um passo atrás na consideração que tinha por ele 
(e eu tinha alguma?).
Não por ter sido contra este projecto de Lei, mas pelo oportunismo descabelado que lhe esteve subjacente.

escrito por Carlos M. E. Lopes

2 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

É verdade. tem toda a razão. Mas para regulamentar as questões de partilha de bens não é necessário que as relações homossessuais tenham que ser sujeitas ao casamento (tal como refere coisas iguais passam-se com frequencia entre relações heterossessuais).
o casamento é uma instituição, um conceito com os contornos bem definidos.
A sociedade do espetáculo a propósito de direitos e deveres quer levar todos os casais á festança associada ao casamento e isso é que está mal.
Pela sua experiência sabe melhor que qualquer um (ou tão bem como muitos outros) que para manter todos esses direitos de que fala e que deveriam ser considerados de forma inequívoca, não é preciso que o casamento se universalize, apenas a lei tem de se universalizar e isso o legislador pode fazê-lo quando quiser.
afinal para lá da igualdade de direitos e deveres os casais homossessuais, parecem estar mais preocupados em estender para si a instituição do casamento - que de facto desde que foi criada tem outra ambiencia e outra finalidade.
por muito que custe esta é uma realidade...
A. M.

Anónimo disse...

Prezado Carlos:

Tenho lido as coisas que (de)escreve sobre a instituição "casamento" em Portugal.

Por quê não se refaz tudo o que se refere às leis regendo as mesma? Não estou louca, mas é tanta coisa mal escrita e outras tão anacrônicas, que seria melhor jogar fora e fazer de novo.

Este negócio de pensão e partilha de bens, por exemplo. Há casos patológicos como o da senhora cancerosa, contudo a maioria deveria fazer um contrato antes de casar. Claro que ninguém casa pensando em separação, todavia isto também ajudaria a resolver questões de herança.

Quando casei (foi só no cartório), o juiz de paz quase infartou quando eu pedi que retirasse a expressão "comunhão parcial de bens" da certidão. "Por quê?? ". Respondi: "Ele ganha mais que eu e está para receber dinheiro por projetos feitos por ele. Caso queira me presentear e, eu aceite, é um problema nosso." Não tirou. Logo, fizemos um acordo. Quando as pessoas realmente se amam, é melhor colocar as coisas preto no branco. Não é orgulho, mas respeito. Houve momentos em que o sustentei. Na maioria das vezes ele gastava mais comigo, pois ganhava um salário altíssimo (embora sejamos engenheiros e professores universitários, ele é HOMEM; engenharia é território masculino...). Eu administrava seu portfolio, pelo fato dele ser um péssimo administrador, yuppie (as roupas que usamos no casamento eram a cara de cada um: ele com terno de griffe; eu com sandália rasteira , cabelos soltos, quase sem maquiagem e com uma espécie de roupa indiana, feita pela minha mãe) e consumista. Foi ele mesmo que pediu que o curasse de sua tara por shopping centers. Apesar de parecer um arranjo radical, isto não impediu em nada nossa relação, muito pelo contrário.

O casamento acabou, todavia dinheiro nunca foi um obstáculo. Em 2 meses o divórcio ocorreu. A audiência só durou 6 minutos. Sofremos muito pelo fim da relação e pelo stress de ver tanta gente brigando no fórum... E em frente de crianças!

No Brasil os cônjuges não são mais obrigados a pagar pensão para quem pode trabalhar. Isto vale para homens e mulheres (sim, existe uma minoria que paga aos homens).

Agora a coisa mais suja que vejo no mundo inteiro é ver mulheres que engravidam só para receber a pensão da criança... Resolver este problema (se é que é possível) será um grande desafio.

Um abraço,
V. Vieira