Chega finalmente a sexta-feira à noite. Início de um fim-de-semana bem merecido, ou não, que podemos usar a nosso talante: com muita imaginação, com imaginação que bonde, ou sem nenhuma, em frente à tal caixinha mágica, estendidos no sofá. Sozinhos ou acompanhados.
Mas há, felizmente, sítios onde podemos ir e desfrutar da imaginação de outros que a prepararam para nós. Foi o caso.
Foi um caso muito sério, na Biblioteca desta outrora Capital da Cultura, onde o professor de Filosofia e escritor, Miguel Real, nos falou do seu livro “A Morte de Portugal”, por interrogação directa do interlocutor, que fazia o papel de moderador, em pretexto do novo livro “O Sal da Terra”.
Éramos quase uma tertúlia restrita, dada a escassez de público: pouco mais do que uma dúzia! Catorze, contei eu! Porém o escritor não se deixou intimidar, nem ficou desmotivado ou descorçoado/descoroçoado. A pedido de José Bívar, desatou a falar de coisas interessantíssimas, que muitos deveriam ouvir para não andarem a desmotivar o próximo. O próximo, o menos próximo e o ultrapassado.
Entre outras afirmações, e para quem não leu o livro “A Morte de Portugal”, ele explicou o porquê do título. Os Portugueses sofrem de 4 síndromes: a do Viriatismo -- do tal pastor pobre e ignorante dos montes hermínios que venceu o general romano experiente, e estratega encartado. Esta síndrome leva-nos a aceitar a maneira de ser e de pensar: pobres mas honrados; homens de palavra e de antes quebrar que torcer
(afinal nem era pobre, mas sim aquele que tinha mais terra, o Rei dos Pastores)
(ai, ai que eu sou viriatista…),tão bem quista de Sá de Miranda, feroz opositor aos desmandos dos esbanjadores das riquezas da Índia. Síndrome 2: o Vieirismo -- somos os melhores do mundo, construímos um Império e viva o novo, o Quinto, de que fala o Padre António Vieira. Síndrome 3 -- o Pombalino. Se os outros são melhores do que nós, nós somos tão bons ou melhores; portanto imitemo-los. Foi o que fez o Marquês de Pombal, que viveu oito anos na Inglaterra. Ainda bem, digo eu. Aquela Baixa Pombalina não envergonha ninguém. Muito pelo contrário. Síndrome 4 -- o canibalismo: isso mesmo. O êxito dos outros dá-nos engulhos e enquanto os não chicoteamos, enquanto não desfazemos tudo o que eles construíram, não descansamos.
O estilo jocoso é meu. Miguel Real explicou tudo com clareza e como só um bom professor de Filosofia sabe fazer. A Sr.ª Ministra teria ficado deliciada com um dos professores que tutela, não fora a síndrome do canibalismo. A reflexão é minha, naturalmente.
Já o 1º Ministro é nitidamente pombalino: “em apenas dois anos reformou o sistema da Segurança Social, o que aos Ingleses e Suecos levou sete anos”! Inquirido se achava que o Portugal destas síndromes já tinha morrido, retorquiu que quando escreveu o livro pensava que sim, devido à nossa entrada na EU, o que veio uniformizar as coisas e esbater estas características tão fortes, do carácter luso. Mas constatando a actuação de Sócrates, tão tipicamente pombalino já as certezas o abandonam.
(se nos outros países resulta, aqui também),
Disse ainda que outrora se era político porque se tinha ética, mas agora, e não só em Portugal, a ética desapareceu, que Portugal teve sempre o azar de apanhar o comboio certo, porém no tempo errado. Só quando esses dois factores foram coincidentes, nos Descobrimentos, é que Portugal foi líder do mundo.
Falou– se de política, sem se falar. Isso todos percebemos. E porque não? Quem foi que disse que o todo o acto social, humano, quiçá, é político?
escrito por Gabriela Correia, Faro
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