Entrou de rajada! Pequenina, afobada, palrosa, dirigiu-se logo à cabeça da bicha composta por algumas pessoas que esperavam a sua vez. Desculpando-se, muito explicativa: “que eu não quero passar à frente de ninguém, Deus me livre”. Arfando, queria saber se, mais tarde, haveria pão muito cozido, porque eu, e virou-se para mim, sabe, não posso comer pão mal cozido. Nem lhe toco.
Dei-lhe a vez, preocupada; assim como assim já tinha usurpado esse lugar. Que não senhora, que desculpássemos a intromissão, muito obrigada, meu amor! E aflorava, maternal, as costas de um negro retinto, sorridente e muito bem parecido, que se encontrava atrás de mim. O mê amor, à Algarvia, era para ele.
Em fracção de segundos ficámos a saber que tinha 88 anos, que nunca teve uma doença. Só agora é que apanhara uma gripe em Lisboa, pois “temos lá casa também”, mas os médicos apenas lhe detectaram o coração muito acelerado. E tudo por causa do desgosto causado por uma flausina, há muitos anos, empregada do marido que fora Director não sei de quê. Aqui eu já perdera o comboio das palavras que ameaçava descarrilar dada a alta velocidade que ela lhe imprimira.
E de repente lembrei-me: eu conheço esta senhora, esta mancha vermelha de batom a alegrar o rosto ainda bonito. A mesma que fora protagonista de um outro episódio nos finais do Verão passado, na mesma padaria, e sobre a qual escrevi um texto, publicado neste blogue sob o título genérico de O Sexo Forte.
Senti-me bem. O sol estava de volta; seres humanos, testemunhos vivos de pequenos-grandes dramas domésticos, queixosos mas resistentes, alegram-nos as compras. Enfim, seres vivos que marcam a diferença e assinalam a sua presença, em vez de seres anónimos que se cruzam connosco, indiferentes.
Quando for velha, velha quero ser como esta mulher, padecendo de auto-comiseração, porém autónoma; com uma estória de vida igual a tantas outras.
[Faro, 17 de Janeiro 2009]escrito por Gabriela Correia, Faro
0 comentário(s). Ler/reagir:
Enviar um comentário