Para não esquecer...

DIA DA MULHER, FILHOS E (DES)AMOR

Hoje é o Dia da Mulher, que a sociedade teima em comemorar no que há de mais ridículo, a meu ver, com sessões de striptease para mulheres, agora até em cafés de bairro, segundo folheto de que tomei conhecimento, atónita, indicador, segundo eles, da promoção de direitos iguais. O que eles querem é atrair a clientela feminina e ganhar mais uns cobres.

Há também a notícia do caso infame ocorrido no Brasil da criança de nove anos, mais da excomunhão da mãe e da menina e a sem-vergonhice de um representante da Santa Madre Igreja a justificá-la. Também de África nos vem uma notícia de estupros perpetrados em meninas e da vergonha lançada sobre as vítimas e respectivas famílias.

Estes sim, são actos que nos arrancam ahs! de espanto, indignação e incredulidade. Comparado com eles o que é um stripteasezito, pindérico ainda para mais?

Sempre privilegiei os actos por oposição às palavras, mas aqui deixo palavras dedicadas à minha filha, com mil beijinhos com amor na ponta. Os actos indicativos do meu amor? Vou passar o resto do dia, nos intervalos de elaboração de testes, a fazer comida para ela levar, já que o trabalho diário não lhe deixa muito tempo para os cozinhados.

TARDES PERFEITAS

-- Já ninguém escreve assim na tua idade!

Pois não!
Porém, a menina de sete anos ainda existe
Se olhares o fundo dos meus olhos
Com o coração.

Mas a quem é que interessam as meninas de sete anos?

As meninas de sete anos
Fabricam com seus dedos frágeis, hábeis
Fósforos.
Carregam irmãos nas veredas de minas
Assassinas, (im) pessoais.
Aguardam conformadas a entrega a maridos tardios
Pelos pais.

As meninas de sete anos são vendidas escravas
Esperam vivas a mortalha
As frestas nas janelas e nos olhos.
As meninas de sete anos são vendidas na rua
A troco de migalhas.

As meninas de sete anos olham com olhos encantados
O jogo de futebol da tarde amodorrada
Na areia quente da praia ao sol.
Pás, baldes, jazem esquecidos
Dos meninos
Que entram na brincadeira dos crescidos.
As espectadoras maternais aplaudem
Sentadas na areia mole.

Isto sim, para mim é futebol.
Alto lá!
Eu nem sabia que gostava de futebol!

O sol vai-se chegando à linha do horizonte,
Os meninos voltam para as pás, os baldes, a areia.
Refazendo e refazendo os castelos
Que o mar lhes quer levar.

Eles nem sabem que existem meninas de sete anos.

Este sim,
Este seria o mundo da menina de sete anos.

Afinal ainda há lugares
Onde a tarde é perfeita?

[Gabriela Correia, Ilha de Faro, Verão de 2001]

escrito por Gabriela Correia, Faro

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