Para memória futura
(e até presente),
seguem dois textos do Manuel António Pina.
Um, desiludido por não conseguir ser santo; outro querendo saber o que pensa o porco de chamarem suína à gripe
[é obra! Manuel António Pina já tem idade para ter juízo, mas falta-lhe o juízo. Antigamente, na Sibéria, pessoal assim, recuperava, mas acabaram com isso e tarda que na Península, apesar dos esforços dos Santos Silva (SS), com a monitorização dos Vital Moreira (VM), se crie uma coisa parecida. Já faltou mais...].
De facto, MAP, não tendo ainda conseguido ser arguido, apesar do enorme esforço, até por omissões
[porque por palavras e por actos, estamos conversados],
também não tem sido feliz nas suas tentativas para ser santo. Tenho para mim que se ele continuar a perseverar e a dedicar-se religiosamente às incidências que fazem do presidente do conselho uma fonte inesgotável do interesse público, certamente haverá de conhecer o seu momento de glória e de forma simplex, a um só tempo, acabará por ser santo e arguido, e nisso, não estará sozinho: um povo que atura o que tem aturado, não tarda nada será elevado, por inteiro às honras dos altares pelo aprumado báculo do pastor alemão. Haja Deus.
[ficarão alguns empedernidos socratinos de fora]
Santo sim, mas não tanto[JN, 28 de Abril]
Na infância queria ser santo. Rezei, fiz penitências, dei o lanche que trazia de casa aos pobres. Era uma espécie de investimento, que esperava cobrar com juros no Céu. Tinha sido mal informado. Um dia li uma biografia de Santo Inácio de Loyola e descobri que o caminho para a santidade era um pouco mais tortuoso do que pensava, e começava - antes de passar às orações propriamente ditas - por matar franceses em Navarra e perseguir mouros que duvidassem da virgindade de Nossa Senhora. Matar espanhóis e enforcar camponeses sublevados, como S. Nuno Álvares Pereira, e ser filho de prior e neto de arcebispo, senhor de Barcelos, Braga e Guimarães, Montalegre e Chaves, Ourém e Porto de Mós, Alter do Chão e Sousel, Borba e Vila Viçosa, Estremoz e Arraiolos, Montemor e Portel, Almada, Évora-Monte, Monsaraz, Loulé e mais reguengos e lugares, também ajudava. Como não tinha terras nem tencionava matar mouros ou espanhóis, desisti da santidade. Continuei a partilhar o lanche com os colegas pobres (e, como S. Francisco de Assis, com os animais vadios da vizinhança) apenas, que Deus me perdoe, por humanidade.
Já agora, e o porco?[JN, 29 de Abril de 2009]
Numa sequência acho que de "Pierrot, le fou", Jean-Paul Belmondo queixa-se a Anna Karina de que os seus olhos, os seus ouvidos e todos os seus sentidos estão em autogestão (a expressão é minha, não de Pierrot-Ferdinand), cada um sentindo para seu lado. Ocorre-me sempre essa cena quando vejo os arautos do relativismo multicultural "condenar" por um lado e "compreender" por outro (assim a modos que Diderot: "Ah, madame!, que la morale des aveugles est différente de la notre!") "especificidades culturais" como a mutilação genital feminina nos países islâmicos ou os não-direitos do homem na China. A mim (mas eu sou um primário), quando algo me revolta o estômago revolta-me também a razão. É assim que certas "especificidades religiosas" me fazem sentir (ao meu corpo todo) dentro de uma peça de Ionesco. E, personagem eu próprio, ouvindo na TV um ministro israelita reclamar que não se diga "gripe suína" porque o porco é uma criatura impura para judeus e muçulmanos, dá-me para o multiculturalismo e para tentar ver a coisa também do ponto de vista do porco: "E o porco, que pensará o porco do assunto?".
escrito por Jerónimo Costa
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