ACTO I
CENA 1
Personagens: 2 ciganas (ok, reformulo: 2 mulheres de etnia cigana), um transeunte sem papas na língua, público afadigado, em geral.
Cenário: Espaço exterior à Padaria.
Vêem-se 2 ciganas encostadas aos carros que ocupam ininterruptamente grande parte do passeio ostentando mossas, próprias da sobrelotação e do uso para o qual não foram pensados. Uma das mulheres, de meia-idade, vestida segundo a tradição; a Mãe, presume-se. A outra, jovem adolescente, vestida “à ocidental”; a Filha, mais do que certo. Grande altercação entre as duas, segundo a tradição para ambas. Nos intervalos da altercação a Mãe chama a atenção de quem passa para os preciosos morangos e outros produtos hortícolas que se encontram em caixas, ocupando o passeio, felizmente largo, numa coexistência difícil, mas pacífica.
Transeunte: (olhando para todos em geral e ninguém em particular, sempre a caminhar, já fora do alcance dos ouvidos das 2 mulheres e, sobretudo, dos do marido recém-chegado à cena). Pois é, agora os ciganos viraram agricultores. Têm cá umas terras que só visto! (Pausa, sempre em andamento). Isto ninguém vê…
Os transeuntes, em marcha apressada, não reagem. Quer-me cá parecer que ele também não estaria à espera que lhe pegassem na deixa.
CENA 2
Personagens: 2 compradoras na bicha para o pão. A menina da caixa registadora. Outra empregada
Cenário: Interior da Padaria asséptica_ Qualquer dia só temos cá disto!
_ Como? pergunta a outra, parecendo um pouco surda pelo modo como se inclinava para ouvir.
_ Gente desta, malcriada. Não ouviu os palavrões?
_ O pior é que eu conheço gente com curso que é igual, ou pior. Andam na escola e não aprendem nada. Nem boas maneiras.
_ Isso já vem de casa. Os professores já não têm mão neles. No meu tempo não era assim…
Paguei a conta e saí, perdendo o resto dos argumentos
ACTO II
CENA 1
Cenário: Mercado Municipal; final das escadas que levam à Loja do Cidadão
Personagens: Uma meia dúzia de jovens, e menos jovens, funcionárias da dita loja, de lenço ao pescoço todas elas, parecendo escuteiras já em fim de época e de saída para o fim-de-semana, quiçá. Ou para o almoço. Será porque a loja se destina a ajudar os outros que elas usam lenço à laia de escuteiras? Quero dizer, elas! Não a loja.
Não pude impedir-me de lhes reparar nos pés: sapatos com salto médio, mais alto, e menos alto. Uma delas calçava mesmo umas sandálias de salto muito alto, mas com cunha.
Será que com cunha já se pode usar o salto muito alto? Dessas e das outras… ACTO III
CENA 1
Cenário: Interior da frutaria com fruta e legumes das duas nacionalidades ibéricas, e de várias procedências.
Personagens: Jovem empregado, filho do dono, outra empregada, o dono afadigado a repor frutas e hortaliças nas prateleiras desfalcadas. Narradora. Compradoras retardatárias, como a narradora.
_ Quer saco? Pergunta decorada, creio, e fartamente repetida e, portanto, automatizada à força de ser repetida. Por que é que os alunos não fazem o mesmo?_ Não, obrigada, trouxe comigo! Pensei com os meus botões por que razão me fazia ele tal pergunta se eu estava de cesto em cima do balcão à espera que ele pesasse e fizesse a conta, para eu acomodar tudo dentro do dito?!
_ Ah, mas as nossas são melhores. E mais baratas, ainda por cima! exclamou lá do fundo uma voz. Referia-se a umas nêsperas gradas, muito maiores do que as portuguesas. Eu já tinha enfiado para o saco as espanholas por me parecerem bem apetecíveis.
Comprovei ao almoço o que a freguesa patriótica tinha asseverado. Bem feita! Quem me manda a mim ser iberista e pluriculturalista?
Já deveria saber que de Espanha nem bons ventos, nem bons casamentos! Acrescento à lista: nem nêsperas!
escrito por Gabriela Correia, Faro
1 comentário(s). Ler/reagir:
Se não se importasse era dia de compras, e não compra. Só cá por coisas.
Obrigada
Gabriela
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