Para não esquecer...

O SOLSTÍCIO E OUTRAS CONVERSAS

Como certamente saberão, anteontem aconteceu mais um solstício de Verão. Mal fora se tal não acontecesse. Pois, mas veio pela calada da madrugada, às 05 horas e 51 minutos, se bem entendi. A maioria das gentes não se terá apercebido dele, por estarem aconchegadinhas nos braços de Morfeu; quiçá noutros. Porém as gentes de Trás-os-Montes já estavam à sua espreita, a fim de o celebrarem. Como acontece, de resto, com os habitantes da velha Albion, de cuja celebração dei conta aqui, no transacto solstício. Será por terem os Celtas como ancestrais remotos, comuns? Bem, eu não sei se algum Celta descuidado ficou preso na minha árvore genealógica e me acordou, enviando uma mensagem telepática para que recordasse o solstício e condignamente o celebrasse! Sei é que a essa hora eu me rebelava contra Morfeu, dando voltas e mais voltas, na ressaca de uma insónia monumental.

Mas o solstício trouxe também o nosso craque internacional, arrancando-o ao sol da Califórnia e aos braços da tal de Paris, e depositando-o ao sol do Allgarve e, quiçá, noutros braços. Para mais umas férias merecidas!... A notícia foi esticada e uns miúdos ingleses, a banhos na praia de Vale do Lobo, quase transformada, para quem não sabe, numa colónia inglesa, foram avisados da vinda de tão ilustre personagem, chegado à mãe pátria de jacto particular, T-shirt sem mangas e boné amaricado às três quartas. Interpelados pela jornalista, responderam entusiasmados às perguntas, e também eles questionaram a jornalista, ávidos de notícias importantes: Is Paris also coming? Afinal não é só cá! Aposto que se indagados fossem acerca do solstício teriam respondido com uma pergunta: What’s that? Mas tal ninguém perguntou, e eles fazendo muitos “adeuses” e muito sorridentes, acabaram com um entusiástico: We love Portugal. Pudera! Ai, deles que assim não fosse. Bem basta o que basta. E o que bastou.

A propósito do que basta, aconselho-vos a ler o livro de José Saramago “A Viagem do Elefante” onde na página 240 se refere, e mais adiante se retoma, esta problemática da subserviência, pelo menos no que toca à língua. Passo a citar: ”Que os austríacos e os alemães lhe
(a Vitipendo, localidade italiana)
chamem Sterzing é algo que ultrapassa a nossa capacidade de compreensão. Não obstante, admitimos como possível, mas sem pôr as mãos no fogo, que o italiano se cale menos nestas partes que o português se tem calado nos algarves”.

Todavia, o solstício trouxe outra coisa: o programa no Canal 2 “Câmara Clara” onde se falou do Irão, do seu povo e da sua cultura. Não só da guerra.

A este propósito, e, em amena conversa com a apresentadora, de olhos e cabelo exóticos de dar inveja na gente, falaram Ângelo Correia e uma jornalista do jornal “Público”. A conversa foi entretecida, tal qual tapete persa, por fios feitos de um depoimento, à cabeça, de Adalberto Alves, escritor e arabista, o que lhe mereceu por parte da UNESCO um prémio da cultura islâmica. Ficámos a saber que a cultura islâmica transcende a cultura árabe. Conhecemos igualmente o título do seu livro: “Viagem ao País das Rosas”. Segundo ele, no Irão os poetas são os heróis do povo, não os políticos, e não estão em mausoléus, mas em jardins públicos, onde são venerados
(as estátuas, naturalmente)
por todas as pessoas, as cultas e menos cultas, que lhes depositam rosas na respectiva peanha.

Chegados aqui, veio-me à lembrança o programa das Sextas-feiras, também neste canal, intitulado “Grandes Livros”. Na 6ªF passada o livro recordado foi “Sinais de Fogo” de Jorge de Sena. Repórteres na rua, microfone em frente de quem passa: novos, não tão novos, e entradotes. E vai daí: quem foi Jorge de Sena? “Sinais de Fogo” conhece? Nada, rostos vagamente aparvalhados. Um sessentão, todo atrevidote,
(a ignorância é atrevida),
respondeu com um risinho trocista: eu conheço é o Ayrton Senna!

Ainda sobre os elementos que entressacharam o programa destaco uma passagem, embora curta, do filme em banda desenhada sobre o que a política e a religião têm feito a este povo. E, em particular, às mulheres; mantidas “na linha” também por outras mulheres, guardiãs da virtude contra o “vício”. O filme chama-se Persépolis e creio já ter sido referido neste emérito blogue, por a não menos emérita colaboradora dos vídeos de sexta-feira. Seja como for, é um filme a não perder, onde se fala da religião xiita e seus desmandes; das políticas de aliança e interesses das potências estrangeiras e seus reflexos, por vezes
(muitas)
terríveis, nas vidas dos cidadãos comuns. E até na dos menos comuns.

P.S. Gostaria aqui, e ainda, de sugerir à Adriana a curta-metragem em banda desenhada de Abi Feijó, precisamente “Sinais de Fogo”.

escrito por Gabriela Correia, Faro

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