Vai a gente de espácio, adentrando-se na manhã, seguindo os sons de outros tempos, ali ao nosso dispor sem mexermos um dedo que seja, os tocadores é que mexem os dedos necessários, e, num repente, desembocamos no largo pejado de veículos motorizados. E já ficou a música para trás, numa competição assaz desigual. Tanto em potência de decibéis, como de actualidade.
O largo está pejado de veículos de duas pujantes rodas, de escapes barulhentos e ensurdecedores, de motards vestidos para circular e para beber toda a cerveja disponível, quiçá a não disponível (atingiram todos os records na ânsia de apagar a sede, segundo um tablóide que dá notícias importantes) e para zarparem a outras geografias, amanhã da parte da manhã.
Pois é! É a maior concentração de motas da Europa, como apregoam orgulhosos os mentores e fautores desta concentração: de ruído, de fumos de escape, de cabedal, de cabelos ao vento, e de outras coisas que não nomeio, mas deixo à imaginação de cada um.
Vêm de todas as latitudes como se sabe, para animar a urbe e deixar mais uns cobres nas caixas registadoras, depauperadas pela crise. E o acordo de Quioto que se dane. Who cares? Perante tal animação e vida! Pois se até um dos cartazes de propaganda eleitoral elegeu a palavra Vida como palavra-chave, a sublinhado!
Se é este tipo de vida que querem para a cidade, eu não alinho. Prefiro outras vidas e outras fitas.
Por exemplo, as 4 fitas asiáticas que o Teatro das Figuras passou no Pequeno Auditório. Pequeno em tudo: nas cadeiras desconfortáveis, no ar condicionado que, de tão pequeno, nem existia. Deixá-lo! Valeu a pena. De 3ª a 6ª Feira últimas deliciámo-nos com Akira Kurosawa e “Os Sonhos”. Filme belíssimo, com a estética a servir a mensagem, ou vice-versa; Takeshi Kitano e o seu “Dolls”. Muito belo também, e original, não no tema: a procura do amor eterno, mas na abordagem; Wong Kar Wai e o seu “2046” que revi quase só pelo prazer de escutar a banda sonora, que até possuo em CD. Trata da tentativa de recuperação de memórias perdidas. Mesmo sendo logo avisado o espectador de que “toda a memória é um rastro de lágrimas”. Não podia ser mais verdadeira a afirmação. De regresso a casa dei comigo a rememorar o passado e desatei num pranto, que, se estivesse morena da praia, seria “O Pranto da Maria Parda”.
Last but not least, Lee Myung-se, da Coreia do Sul e o seu “Duelo Sem Fim”. Um filme sobre detectives e artes marciais. Porém, é tudo menos um filme sobre o que atrás ficou dito. É uma bela coreografia do princípio ao fim, em que os dançarinos (ou lutadores) têm espadas e lutam, ou dançam, ao luar e com a neve a cair como pano de fundo. Uma banda sonora e uma fotografia belíssimas.
E foi assim que esqueci os cavaleiros do asfalto e as suas máquinas ruidosas.
[Faro, 18 de Julho de 2009]
escrito por Gabriela Correia, Faro
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Não vi o "2046", mas vou pedi-lo à Amazon. Serei mais um a tentar recapturar suas memórias, apesar do pranto que adivinho. Alberto
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