Para não esquecer...

A NOVA GESTÃO ESCOLAR

O nosso colaborador Jerónimo Costa é Presidente do Conselho Geral da Escola Secundária Emídio Navarro de Viseu. Nessa qualidade e na tomada de posse do Director da Escola recém-eleito, foram estas as ideias que deu a conhecer:

Ex.mo Sr. Director
Ex.mo Sr. Presidente e restantes elementos do Conselho Executivo cessante
Senhores Conselheiros
Caros convidados
Dedicados professores e funcionários desta excepcional comunidade que tem Emídio Navarro como Patrono.

Acabámos de ser testemunhas da tomada de posse do primeiro director da ESEN, no decurso do período democrático, inaugurado com o 25 de Abril. Razões de vária ordem que o anterior modelo de gestão não desaconselhava, levaram a tutela a enveredar por alterações profundas nas unidades de gestão – apelido pelo qual respondem agora as escolas – em nome de uma propalada liderança forte, assente numa direcção unipessoal. Sabemos, também autorizados pela experiência, que qualquer tipo de gestão, mesmo a colegial, pode ter os seus vícios, transfigurando o exercício democrático num mero dispositivo para cumprir formalidades. Pelas mesmas razões – e aí residirá a nossa grandeza – será possível transformar uma liderança unipessoal num exercício de partilha democrática assente nos agentes profissionais, contra os quais nenhuma reforma vingará para além da que resulta, se é que resulta, da fria estatística.


Nos últimos 4 anos a escola tem sido fustigada, vá-se lá saber em nome de quê, pelas mais despropositadas reformas, algumas erráticas, outras consideradas já, pelos seus mentores, não sabemos se estrategicamente se genuinamente, erradas. A nova direcção e o seu director têm à sua disposição um corpo docente empenhado, mas desiludido; um corpo docente responsável, mas desanimado por tanta desconsideração e até ofensa gratuita. Muitos dos que trabalharam em prol do ensino, nesta escola e em tantas outras, saíram antecipadamente – e fazem falta! Há feridas para sarar e uma vontade enorme de mudar, com critério, de alterar, sem subverter os valores, sejam os da justiça, sejam todos quantos possam devolver-nos a dignidade que reivindicamos para a retoma com satisfação e com alegria do exercício profissional. Também os funcionários carecem de um clima que lhes permita sentirem-se seguros e cada vez mais parte indispensável de um corpo, que tem em comum a tarefa fundamental de criar as condições efectivas para a assumpção de uma escola pública de qualidade que, sem eles, também não é concretizável.

Meu caro Director, os tempos são assim de algum desconforto e de bastante perplexidade, mas o nosso interesse e a nossa disponibilidade passarão, antes de mais, por esbater divergências, ajudando a criar as condições que nos devolvam o espírito do gosto de vir para a escola, seja porque aqui nos encontramos como uma grande família, seja, porque aqui desenvolvemos a missão que nos prende a este sítio: a missão de ensinar.

No projecto de intervenção, com que concorreu a este lugar, referiu-se a torrentes legislativas que enredam diariamente os profissionais do ensino numa teia de burocracias, tantas vezes, inoperantes e esgotantes; referiu-se também a uma desmesurada carga funcional, mantendo em relação a um e a outro dos aspectos referidos uma vontade expressa de procurar subtrair excessos e dispensar exageros. O momento em que professores e alunos se encontram frente a frente ou lado a lado, no exercício de ensinar e aprender, precisa de tempo, de retaguarda, de espaço de maturação, incompatíveis com o frenesim empresarial e a competição cega por resultados. Necessitamos de ganhar tempo e espaço para respondermos, sem vertigem, aos desafios que todos os dias crescem no nosso caminho. O vendaval que tem varrido a escola precisa de amainar. O nosso esforço, que não esmorecerá, será transformá-lo em energia capaz de insuflar as velas de um barco à procura de rumo. Mas um rumo que nos envolva e que não nos deixe borda fora ou tantas vezes em desequilíbrio. O conselho Geral a que presido, estou certo, espera que o diagnóstico que prometeu fazer a situações problemáticas, resulte em soluções justas e, nessa medida, seremos força dessa força porque o que mais queremos é uma escola onde o bem-estar aumente todos dias, o diálogo cresça e a negociação, por onde tantas vezes se colhe a conciliação, se faça sentir, partilhada como o ar que respiramos.
A atmosfera do momento e alguma informalidade hão-de permitir, até como corolário do que se afirmou, que destaque de
Uma Teoria da Justiça, de John Rawls, um lúcido naco de texto, cito: A justiça é a virtude primeira das instituições sociais, tal como a verdade o é para os sistemas de pensamento. Uma teoria, por mais elegante ou parcimoniosa que seja, deve ser rejeitada ou alterada se não for verdadeira; da mesma forma, as leis e as instituições, não obstante o serem eficazes e bem concebidas, devem ser reformadas ou abolidas se forem injustas. Citei sem acrescentos desnecessários.

Hoje é também uma ocasião de passagem de testemunho. O Conselho Executivo que se retira deu o seu melhor e em muitas circunstâncias o melhor foi gerir, sem estragos humanos, uma escola que, como titulava o
El País, está que arde! Passar estes quatro anos ao lado de conflitos e tensões, mantendo, no essencial, as condições para o exercício de funções, há-de ser, quando se fizer o balanço e se tiver a distância que os factos históricos recomendam, motivo de reconhecimento, talvez tardio. Além de mais, quem exerce por missão, por entrega a causas, aspectos em declínio, senão em desuso, deve merecer o nosso aplauso, expresso ou contido, mas aplauso.

Para todos os que vieram, os que não puderam, os que não quiseram, dentro da pluralidade que nos enriquece, procuraremos que este seja o primeiro dia em que a diferença seja expressa por um aumento progressivo do bem-estar, da qualidade, da responsabilidade, da partilha, do diálogo e na sua essência de um espírito e de uma prática profundamente democráticas onde cada um, estamos certos, dará o seu melhor.

Para o Director e sua equipa fazemos votos de um desejado sucesso pessoal e profissional.

Disse.

Viseu, 30 de Junho de 2009


escrito por ai.valhamedeus

4 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Tal e qual "comá" nós

Anónimo disse...

A pouco e pouco vão reabilitando o Toninho das Botas.

Ainda não há muito tempo foi nomeado, na TV, como o Português do Século.

Nesse tempo era impensável que, mesmo o ministro mais pelintra, espetasse os dedos fosse para quem fosse.

Razão tinha el Hugo quando compôs a célebre canção:

Piño y Lino
Lino y Piño

Francisco Almeida disse...

Não são as pessoas seleccionadas para directores que estão em causa.
O problema é o regresso a um modelo autoritário de escola.

Alguns professores não fizeram ainda o registo dos reais objectivos do Governo neste domínio – formatar as escolas, todas as escolas, criar uma rígida cadeia hierárquica de comando de tipo militar, formatar a actividade docente, criar as condições logísticas e organizativas para aplicar outras medidas (categorias, avaliação burocrática do desempenho, o fim dos concursos nacionais, funcionamento do sistema educativo a reboque dos interesses dos grandes empresários, imposição de horários incompatíveis com o exercício da profissão, atribuição aos docentes do papel de “pau para toda a colher”….).

vitor m disse...

Na minha opinião, este modelo configura o regresso, ténue ainda, à figura do reitor.
Digo ténue porque persiste, sobretudo nos profes mais antigos (os que viveram a queda do fascismo), suficiente formação e cultura democráticas para não embarcar em desvarios de ditador, à moda da sinistra...
No entanto, no modelo anterior, claramente mais democrático, havia muitos presidentes de CEs com cultura democrática zero, todos o sabemos.

Conheço, por relato, os jogos de influência/política, por vezes baixa, que prosseguem muitos elementos dos conselhos gerais, de forma a elegerem o seu director favorito.
Não interessa se tem o melhor currículo ou se é um bom profissional. O que interessa é que sirva interesses de paróquia ou lobbies instalados há dezenas de anos nas escolas (o "meu universo" não é lá muito representativo, bem sei: 4 escolas em Viseu e Grande Lisboa)...