Para não esquecer...

ÀS QUINTAS, VÉSPERAS DE SEXTAS - 2

ACTO I, e ÚNICO
CENA 1 e ÚNICA

Cenário: Uma rua downtown da ainda capital do Algarve
Hora: Las Quatro de La tarde
Personagens:

Narradora, desnudada q.b. para não ofender a moral pública e aproveitar o ensejo de um bronzeado, sem ter de enfrentar o desassossego de qualquer das praias do Allgarve em Agosto; desertinha por chegar a casa.
Mulher na 3ªíssima idade, um metro e meio mal medidos, pouco mais de 40 kg, braço dobrado pelo cotovelo a fim de segurar a alça da malinha, tipo a Guida do “Conta-me Como Foi”.
Transeuntes, poucos, devido ao sol castigador?
Não sei qual a razão, mas o que é certo é que a 3ª Idade tem uma inclinação por mim, eu diria. Quiçá pelos meus olhos que, mesmo atrás das lentes de sol, não escondem o que penso logo ali, quiçá porque ostento um ar simpático, ou apenas por escolha óbvia tendo como base a exclusão das partes, certo, certo é que a senhora se me dirigiu de forma assaz original:

-- O dia 18 calha quando, perguntou ela sem sequer me saudar. Parecia que eu lhe era familiar, mesmo da família, quem sabe! E que tínhamos vindo a conversar sobre dias do mês e coisas dessa magna importância.

Olhei-a com um sorriso meio divertido, meio complacente, e o meu coração derreteu-se. Seria do calor de deserto?

Ajudei-a no raciocínio e nas contas, enquanto os passantes nos passavam, com propriedade, ao lado…

-- Ah, então ainda faltam 5 dias para eu levantar a reforma…, disse ela no mesmo tom, de quem já nada tem a perder, ou a quem já nada espanta. A quem só já resta esperar.

E lá foi muito devagar, com a pressa na razão inversa da das recém-nascidas tartaruguinhas nas praias lá do outro lado, tentando vencer rapidamente o percurso entre o sítio onde eclodem os ovos e o mar seu salvador, a tentar escapar aos predadores, e são muitos, que o deus delas lhes colocou no caminho para pôr à prova não sei que vontade indomável de sobrevivência.

Ainda olhei para ela, indecisa, palavras impronunciadas a desenharem-se-me no cérebro parado; como o ar da tarde. Um ser frágil, de pés bastante desavindos no passo lento, perdida entre os demais.

Pensei: será que tem o suficiente para vencer o tempo que resta até ao dia 18?

Embora, mesmo assim é capaz de não estar em situação de penúria tão grave quanto a da família de refugiados sarauís que têm de dividir um ovo por 10 pessoas! Como?

Isso são contos largos que reservarei para uma outra 5ª Feira. Ou qualquer outro dia da semana. Talvez para o dia 18.

escrito por Gabriela Correia, Faro

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