Para não esquecer...

NATÁLIA CORREIA

NATÁLIA CORREIA (n. 13 de Setembro de 1923 - f. 16 de Março de 1993)

Hoje, Natália Correia, se fosse viva faria 86 anos.
Destacada figura de cultura e da intervenção política, é um dos grandes nomes da poesia portuguesa contemporânea
lê-se na contracapa da Antologia Poética
[uma selecção de poemas organizada por Fernando Pinto do Amaral para a Dom Quixote, B B L -- Biblioteca de Bolso].

O LIVRO DOS AMANTES
VI
Aumentámos a vida com palavras
água a correr num fundo tão vazio,
As vidas são histórias aumentadas.
Há que ser rio.

Passámos tanta vez naquela estrada
talvez a curva onde se ilude o mundo.
O amor é ser-se dono e não ter nada.
Mas pede tudo.
In “Antologia Poética”, pág. 53
Os símbolos exteriores de Natália eram a boquilha e o botequim, como diz Maria Amélia Campos, na biografia da poeta “A Senhora da Rosa”.

São conhecidos os poemas de Natália inspirados em sessões parlamentares onde acontecimentos bizarros lhe ditaram
CANTIGAS DE RISADILHA

Notícia de um caso tremendo
Que abalou o Parlamento

Estava o Parlamento em tédio morno
Do Processo Penal a lei moendo
Quando carnal a deputada porno
Entra em S. Bento. Horror! Caso tremendo!

Leda à tribuna dos solenes sobe
A lasciva onorelove Cicciolina
E os seus pares saudando ali descobre
O botão rosado da tetina.

Para que dos pais da Pátria o pudor vença,
Do castro bracarense o verbo chispa:
“Cesse a sessão em nome da decência
Antes que a Messalina mais se dispa.”

Mas − ó partidas que prega a estatuária! −
Que fazer no hemiciclo avesso ao nu
Daquela estátua que a nudez plenária
Ali ostenta sem pudor nenhum?

Eis que o demo-cristão então concebe
As vergonhas velar da escultura.
Honesta inspiração do céu recebe
E moção apresenta de censura:

“Poupado seja à nudez viciosa
O olhar parlamentar votado ao bem.
Da estátua tapem-se as partes vergonhosas.
Ponham-lhe cuequinhas e soutiens.”
[P.S. O meu computador censurou-me, com o traço vermelho, Messalina e cuequinhas!!]

escrito por Gabriela Correia, Faro

1 comentário(s). Ler/reagir:

alberto disse...

As “cantigas de risadilha” aqui apresentadas e que apreciei, fazem lembrar as “cantigas d’escarnho e de maldizer” da lírica galaico-portuguesa medieval.
Transcrevo, da “História e Antologia da Literatura Portuguesa, Vol I”, editada pela Fundação Calouste Gulbenkian a seguinte cantiga de Afonso Eanes do Coton:
Abadessa, oí dizer
que érades mui sabedor
de todo ben; e, por amor
de Deus,querede-vos doer
de min, que ogano casei,
que ben vos juro que non sei
mais que um asno de foder.
Ca me fazen en sabedor
de vós que avedes bon sen
de foder e de todo ben;
ensinade-me mais, senhor
como foda, ca eu non sei,
nen padre nem madre non ei
que m’ensin’, e fiqu’ i pastor.
E se eu ensinado vou
de vós, senhor, deste mester
de fornicar souber
per vós, que me Deus aparou,
cada que per foder, direi
Pater Noster e enmentarei
a alma de quem m’ensinou.
E per i podedes gaar
mia senhor, o reino de Deus:
per ensinar os pobres seus
mais ca por outro jajuar,
e per ensinar a mollher
coitada, que a vós veer,
senhor, que não souber ambrar

Glossário: doer- condoer; ogano- este ano; sen- senso; ca- porque; i pastor- nisso criança; enmentarei- citarei; gaar- ganhar; ambrar- dar às ancas