Para não esquecer...

DO CONTRA [59] o broker e o cardeal

A COPE
(acrónimo de Cadena de Ondas Populares Españolas)
é, diz a Wikipédia, uma das principais cadeias radiofónicas de âmbito nacional espanholas. É uma cadeia de rádio generalista com programação variada, mas de pendor claramente religioso/católico
[essa é, também, a sensação forte que se respira por todo o lado quando se entra no seu sítio da web].
Nem admira: os seus accionistas são a Conferência Episcopal Espanhola (50%), dioceses e ordens religiosas...

Vaticano pedofilia
Javier Vizcaíno, no texto Ingeniería social, comenta que a Cope,
"na sua enésima lavagem de mãos pelos casos de pedofilia no seio da Igreja, ficou a um centímetro de dizer que a culpa é dos pais que vestem as criaturas como... entendem-me, não é? Pasmem, se para tanto tiverem capacidade: 'A chamada revolução sexual disparou o fenómeno dos abusos nas últimas décadas. Um único caso na Igreja seria demasiado. Mas o certo é que noutras instituições e realidades sociais a chaga dos abusos converteu-se num fenómeno infelizmente muito mais frequente e espalhado que entre o clero”. E o editorialista da rádio atrevia-se a rematar assim: “A Igreja pôs-se na vanguarda de uma auto-crítica sincera e do exame a fundo do sucedido'."
[o texto da Cope está aqui]
Javier Vizcaíno tem coluna de opinião no Público espanhol. Tal como Isaac Rosa, que escreve sobre o mesmo assunto na mesma edição, na de ontem, do jornal. Traduzo o texto, intitulado "O que diz um 'broker' a um cardeal e é introduzido por uma citação de Bento XVI:“Como prova da minha profunda preocupação escrevi uma carta pastoral sobre esta dolorosa situação dos abusos de menores”:
Vou contá-lo ao jeito de uma anedota, ainda que sem piada: trata-se de um executivo de Wall Street que entra num bar. Senta-se ao balcão e descobre ao seu lado, num banco e cabisbaixo em frente de um uísque, um cardeal do Vaticano, de batina e solidéu e todos os adornos do costume.

"Eminência, sente-se bem?", pergunta o 'broker' ao purpurado, que suspira e fala baixinho: "Assim-assim, filho, assim-assim. Não conseguimos arribar por causa dos casos de pedofilia. Cada vez há mais denúncias, e ainda a procissão vai no adro. O Santo Padre está desesperado, não sabe o que fazer para salvar a imagem da Igreja. Estamos em crise. "

"Crise?", diz o executivo, a sorrir. "Disso sei eu que bonde. Crise! Um ano atrás, estava eu como o senhor, arrasado e a pensar que era o fim. E olhe para mim agora... Tão calmo. Se quiser, posso dar-lhe alguns conselhozitos". O Cardeal vira-se e pega-o pelos ombros: "Por favor, meu filho, diz-me como é que fizeste".

"Vou explicar-lho facilmente", diz o executivo, que puxa a sua
blackberry para lhe mostrar um powerpoint. "A primeira coisa é deixar claro que se trata de casos isolados, individuais, que nada têm que ver com o funcionamento do sistema. Nós culpamos a ganância de uns quantos; vocês podem denunciar a luxúria de uns poucos. Mas que os fiéis fiquem bem cientes de que não há nada no sistema católico que favoreça esses abusos. Nem o celibato nem o segredo, nem as relações de dominação, nem a homofobia, nada. Tudo é culpa de uns poucos pecadores, maçãs podres que é preciso separar".
"Em segundo lugar, propósito de emenda. Está a ver... Prometam algo grande, gerem expectativas: digam que vão refundar a Igreja, que aprenderam a lição, que não voltará a acontecer".

"Achas que funciona?", perguntou o cardeal, com um brilho nos olhos. "Claro, padre. Nós já conseguimos que a culpa da crise seja dos trabalhadores, dos seus salários e da sua baixa produtividade. Se ouvir o que eu digo, num ano acabarão por lançar a culpa sobre as crianças, por provocarem. E se pedíssemos mais um copo? "
[Um texto del el plural.com refere vários documentos da Igreja espanhola onde se "denuncia" a “Campanha hipócrita contra a Igreja, o celibato e o Papa”, e se arranjam desculpas no incitamento das crianças à masturbação, na pornografia, na "educação para a promiscuidade", e se recusa qualquer relação entre pedofilia e celibato. Assim seja!...

Aconselho ainda uma visitinha ao texto La Cope: la voz de Dios. Muito instrutivo!]

escrito por ai.valhamedeus

5 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

a pedofilia não é a voz de Deus, são os actos dos homens... de todos os homens e deve ser condenada em todos os meios e qualquer lugar... seja com padres ou com leigos... o resto é um jogo de palavras de uns contra os outros, o que não é a melhor forma de amenizar o problema...enquanto assim for os pedófilos proliferarão em todos os lugares e situações...

Frei José disse...

Para completar, só faltam os argumentos que habitualmente por aqui aparecem quando se arejam temas relacionados com a Igreja Católica: por cada padre malvado, há milhares de padres santos.
Este argumento, que nada prova nem resolve, podia ser reforçado com objetividade histórica irrefutável com o seguinte enunciado:
Por cada padre que «comeu» um menino, milhares de outros «comeram» meninas (e mulheres) e outros milhares decidiram coerentemente jejuar.

Ai meu Deus disse...

As "sugestões" de Frei José fazem-me lembrar um colega de seminário, que citava o Evangelho e lhe acrescentava uma dica do próprio (citador):

"Deixai vir a mim as criancinhas!... atrás delas vêm as mães!..."

Anónimo disse...

As mães, as irmãs mais velhas e a vizinhas...
Sempre essa mania seminarística de limitar!

J Alberto disse...

Ao contrario do que diz o primeiro Anónimo, o problema é mesmo esse: «amenizar o problema». Até há pouco, todos tratavam de amenizar o problema (revejam o caso Casa Pia) metendo-o debaixo da alcatifa ou apresentando-o como algo que só abrangia meia-dúzia de pessoas.
Hoje já nem o Papa aceita o problema da pedofilia como um assunto ameno.