Para não esquecer...

PEDOFILIA CLERICAL (2)

O problema da pedofilia não é só o problema de umas centenas de padres que pecaram contra a moral. Uma confissão teria resolvido tudo, segundo a teologia e a pastoral. E então teriam razão os que, como neste Blog, se desunham por mostrar que a maior parte dos padres não são pedófilos, como se o problema estivesse na quantidade. Há padres e freiras excepcionais. Posso dar fé disso. Um botão de amostra: agora que já não há câmaras de televisão no Haiti, a maior parte dos que continuam a arriscar a vida e a saúde, são padres e freiras. Os caçadores de dividendos políticos saíram do país no avião que levou as últimas câmaras. O meu aplauso para esses religiosos. Mas é uma autêntica canalhada usar esse bom exemplo para enterrar, minimizar ou fazer esquecer o crime hediondo da pedofilia de muitos outros padres.

A arrogância é a catarata do espírito. Quem a padece vê tudo búzio, como se diz na minha aldeia. O problema agrava-se quando o paciente passa a defender com unhas e dentes a opacidade das coisas e a defender como cristalinas as coisas baças.

Os que ainda têm algum pudor e não se atrevem a tapar o céu com a mão, dedicam-se então a tentar defender a honestidade e inocência dos jerarcas eclesiásticos como se deles dependesse a bondade e autenticidade da própria Igreja. Ou seja, é preciso impedir a todo o custo
[e isso implica até o uso da mentira]
que o caso da pedofilia possa beliscar o Papa ou algum dos altos executivos do Vaticano
[porque os casos de jerarcas como o Arcebispo de Boston são atenuados pela distância e não fazem mossa].
Como não se pode sustentar a defesa com a negação dos factos, desvia-se o assunto e afirma-se que um grupo de malvados se organizou para fazer mal ao Santo Padre e à Igreja que ele dirige. Ou seja, que o arcebispo Ratzinger tenha protegido um pedófilo não é nada, comparado com o dano que lhe pode fazer a notícia, portanto: morte ao mensageiro porque mentiroso. Mas quem será realmente o mentiroso, o que deu a notícia ou o que a desmentiu atirando a responsabilidade para as costas de um secretário do então arcebispo? Vejamos: a notícia foi confirmada. No tempo em que Ratzinger era arcebispo, um padre pedófilo da sua Diocese foi enviado para outra paróquia, sem qualquer pena canónica e sem ter sido denunciado à autoridade civil. Duas graves decisões confirmadas, mas logo esvaziadas quando se tenta ilibar o arcebispo, informando que a transferência foi feita sem o seu conhecimento. Quem isto afirma comete dois pecados: mente e abusa da simplicidade dos crentes. A transferência de um padre é da competência do Ordinário do Lugar e a nomeação tem que estar assinada por ele. Ou seja, o padre pedófilo só foi aceite na outra paróquia porque levava uma nomeação assinada pelo arcebispo Ratzinger. Quem conhece os meandros da burocracia diocesana sabe perfeitamente que no caso de um padre pedófilo ninguém daria um passo sem o conhecimento e consentimento do arcebispo. E ninguém acredita que um Ratzinger assinasse de cruz a nomeação de um padre pedófilo.

Sei perfeitamente que no fundo o que estava em causa não era proteger o padre pedófilo, mas sim a Igreja. Só que essa protecção se fez sobre os escombros de dezenas de crianças.

Sirva de corroboração o hediondo caso de um grupo de miúdos cubanos violados no Estado da Florida por um padre também cubano. Essas crianças chegaram à Florida como tendo sido arrebatadas ao comunismo! O pedófilo nunca foi incomodado.

No caso da pedofilia do clero, a entidade mais interessada em pôr tudo em pratos limpos devia ser o próprio Vaticano, se não por um imperativo de compaixão e justiça, pelo menos pelo respeito devido à dignidade desses milhares de padres e freiras que leal e honestamente dão o melhor de si. A sua existência e acção não devem ser usadas para calar ou minimizar as acusações; ao contrário, deveriam ser um incentivo para que toda a verdade saia à luz do dia. A sua coragem de sempre exige a coragem dos seus superiores neste momento.

escrito por José Alberto, Porto Rico

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