Para não esquecer...

PEDOFILIA CLERICAL (3)

O problema da pedofilia insere-se num contexto mais amplo que é o da ideologia. Para os burocratas do Vaticano, a pedofilia sempre foi um problema de pouca monta. Eram problemas locais que se tratavam discretamente e com estratégias sempre tendentes a evitar a publicidade negativa.

A transferência do pedófilo a outra paróquia ou diocese resolvia esse problema. E com a vantagem de poder usar-se essa solução repetidamente. São muitos os casos de padres pedófilos que abusaram de crianças em vários lugares diferentes
[paróquias, colégios, seminários, orfanatos, internatos de missões, etc.]
e tudo se resolvia com nova transferência. A questão era que o conhecimento do caso não se propagasse. A ausência do prevaricador quase sempre fazia cair o caso no esquecimento.

Marcial Maciel
Na década de sessenta, a mais atingida pelas denúncias de pedofilia, o verdadeiro problema para os burocratas estava relacionado com a política e a ideologia. Clérigos maus eram os que abraçavam as constituições do Concílio Vaticano Segundo e coerentemente tentavam pô-las em prática. Eram os padres operários, eram os que orientavam a sua prática pastoral privilegiando os pobres, eram os que atacavam o colonialismo, eram os que se candidatavam por partidos da esquerda,
[até 1974, sempre houve padres deputados da União Nacional com o consentimento da hierarquia]
eram os que denunciavam a estrutura feudal imposta e alentada pelo Vaticano.

Para esses não havia transferência pela calada da noite. Eram chamados a capítulo e se não baixavam a cerviz, eram despojados das suas ordens ou faziam-lhes a vida impossível para que o desânimo os levasse para longe.

Esta dupla vara utilizava-se para padres e bispos num perverso igualitarismo.

Enquanto um padre pedófilo era discretamente transferido pelo arcebispo Ratzinger, Hans Kung era privado da sua Cátedra de Teologia; D. Sérgio Méndez Arceo, Bispo de Cuernavaca, no México, especialista do Concílio, era perseguido e acusado de comunista; D.Hélder Câmara, no Brasil, era tratado como um pária pela sua defesa dos pobres do Nordeste. Os principais expoentes da Teologia da Libertação eram escorraçados como os grandes inimigos da Fé que, no Vaticano, defendia o Cardeal Rossi e depois Ratzinger.

Em Portugal, enquanto dezenas de padres se cevavam com carne fresca nos seminários e colégios
[a página pedófila portuguesa ainda está por escrever, porque somos um país de «brandos costumes» e preferimos falar do mal dos outros]
o P. José da Felicidade Alves era tratado como inimigo público número um. Os padres que se atreveram a contestar a orientação do Seminário Maior de Lisboa foram postos na rua. O P. Mário, da Lixa, ainda hoje se mantém como espinha viva na carne de uma igreja que preza mais a estrutura que a fé. Um pouco por todo o país, padre que não baixasse a cabeça sofria as consequências.

No Brasil, Leonardo Boff foi chamado ao Vaticano para que aceitasse uma ordem de mordaça. Não a aceitou e foi expulso. D. Manuel Vieira Pinto, Bispo de Nampula foi expulso da sua Diocese e de Moçambique, pela PIDE/DGS, pela sua oposição firme ao colonialismo. Numa audiência de dez minutos, no Vaticano, foi vergonhosamente zurzido pelo Cardeal Rossi porque «estava a criar problemas ao Vaticano na sua relação com o governo de Portugal». Sim, com o governo salazarista de Marcelo Caetano.

Ainda que não possa tirar conclusões definitivas, tenho suficientes elementos para pensar que, para além do aspecto ideológico, há um elemento material que pode ter levado ao aumento de casos de pedofilia: o vazio deixado por milhares de sacerdotes expulsos ou que abandonaram voluntariamente o munus pastoral, levou os pedófilos a senhorear-se de muitos espaços da Igreja. Tal como noutros casos, a escassez impôs a tolerância.

A ideologia pesa mais do que a moral. Um pedófilo conservador é tratado com tolerância, proeminentes teólogos acusados de progressistas, com suspensões e expulsões. Conhecemos casos recentes de heréticos e ilegítimos bispos «lefebristas» que foram perdoados e incorporados ao trabalho pastoral. Quantos teólogos sérios receberam igual oportunidade?

A grande dor de cabeça agora é que alguns desses pedófilos acusados, julgados e condenados, estão a levar o Vaticano à bancarrota económica pelos milhões pagos e a pagar em indemnizações às vítimas destes criminosos clérigos depredadores.

escrito por José Alberto, Porto Rico

4 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

mas agora não há pedofilia? passa-se meses e meses a falar de casos que jurdicamente possivelmente já prescreveram e nada se investiga sobre o que acontece hoje em dia... depois a culpa é do papa... padres, ateus, leigos e consagrados, pretos, brancos, amarelos ou vermelhos são todos iguais perante a lei... os padres pedófilos devem ser julgados tal como qualquer outro cidadão... porque se vfala tanto do passado e nada se diz do presente... será que interesa a todos: igrejas, estados e cidadãos de uma maneira geral...

PP disse...

Se prescreveram já não são crimes vergonhosos? Porque há pedófilos leigos já é mau falar de pedófilos padres? Porque hoje também há pedofilia já o papa fica livre de pecado?

Anónimo disse...

O papa não fica livre de nada porque tanto quanto se sabe, não é ele que se encontra directamente implicado. Há uns quantos bem falantes qaue o querem atingir pela omissão dos seus próximos.
para que conste: os crimes são hediondos e quando envolvem crianças e desfavorecidos pior ainda. Sejam cometidos por quem forem, nem que seja o papa... para os combater há leis que infelizmente não são cumpridas...
Hoje em dia o problema é igual aos anos que agora vêm a público, por isso melhor seria estar vigilante nos tempos que correm para castigar a tempo e horas os prevaricadores e proteger os mais fracos em vez de investir desmesuradamente contra um velho ancião que para nada vai servir... como os homens da igreja há centenas de outros homens a quem são assacados os mesmos crimes, lembremos o caso mais mediático: o realizador Polansky... e atrás deste folclore vão-se movendo centenas de pedófilos na actualidade que por se sentirem menos escrutinados têm o campo totalmente livre para cometer os seus crimes. os homens aprendem pouco com a história e quixotescamente investem contra moinhos de vento confundindo-os com os gigantes que lhe entram pela retina. Depois queixam-se de não entenderem como volvidos tantos qanos estiveram rodeados de boas pessoas que praticavam actos perversos.

Anónimo disse...

Já agora, falemos também de casos talvez mais recentes... também há padres no processo da casa pia? ou são apenas os xuxas de que ninguém já se lembra nem fala? Só se de apelido chegarmos à cruz e daí aos padres...
CMC