Disseste adeus à vida, José Saramago!
Soube da notícia quando procurava um lugar para almoçar, na capital.
Soube da notícia quando esperava a minha filha, retida em mais um Curso! A melhorar o currículo que venha a impressionar um qualquer patrão, num futuro mais ou menos longínquo. Muito incerto.
Soube da notícia no meio do barulho de talheres, no labirinto de corredores de restaurantes e do estendal de lojas, após a descida por escadaria encimada, não por colunas jónicas ou alfrescos, mas por écran gigante. Passando por ahs de desapontamento e surpresa ante a derrota de uma das equipas favoritas, neste Mundial. A acontecer lá longe, no país do antigo e execrando apartheid. E das barulhentas, irritantes vuvuzelas.
Apetecia-me partilhar a notícia com alguém.
Mas não podia incomodar a minha filha na sua senda de formação constante, rumo ao túnel onde não se divisa um emprego, ao fundo;
Não podia incomodar as cabeças ao alto, suspensas do penalty, afinal não concretizado.
Não podia partilhar a notícia com a Donizilda, brasileira a fazer pela vida, de pé, firme à caixa registadora do pré-pagamento. Não podia. Apesar do seu sorriso simpático e da sua paciência, à espera da decisão da escolha dos muitos clientes na bicha.
Decerto, Saramago, tu não dirias fila! Tu também utilizarias a portuguesa palavra, sem arroubos de modernismos; a estragares a estatística de quem reafirma as vantagens do Acordo Ortográfico: “hoje já ninguém, em Portugal, diz bicha!”
Tu dizias. E avonde, como a minha Avó. E, decerto, o meu querido Aquilino.
Finalmente, ganhei coragem e partilhei o meu pesar com o ainda jovem “gerente”, ao entregar-me o tabuleiro da comida. Um autêntico relações públicas da cozinha portuguesa.
A medo! Expectante! Ainda perguntei, titubeante: sabe quem é? Sabia. Não se ofendeu e disse, sorrindo: o da polémica com o livro Caim!
Um ainda mais jovem comensal, na calha para a entrega do repasto, indagou, com interesse na voz, e um toque pesaroso Morreu o Saramago?...
Forneci-lhe mais informação: a idade, o sítio da morte. Acrescentei que tinha a idade do meu pai. Não sei porquê. Porque estou a envelhecer? A repetir os gestos atávicos dos mais velhos que derramam o coração, e a vida, perante o ser que lhes fica mais próximo Quer seja no banco do autocarro, na bicha para o almoço ou num banco de jardim?
Não obstante, a conversa prosseguiu com o “gerente” conhecedor, não sei se do livro e do escritor, se da polémica. Num país onde tudo começa e acaba como a súbita rabanada de vento na poeira adormecida do caminho, à hora da sesta dos humanos. Agora, é que ele vai ter de explicar a Deus o Caim, disse, com um sorriso.
Tive ganas de lhe responder, e como vão os tiranos deste mundo explicar os seus muitos actos de ignomínia vária? Mas não tive ânimo e dei comigo a defender-te, Saramago! Dei comigo a fazer a apologia da tua preocupação com Deus. Com o verdadeiro Deus, a existir um. Não interessa por que nome o nomeemos.
Morreste na “tua” ilha espanhola. Na ilha de César Manrique. Um homem justo e preocupado com o ambiente, como poucos. Um homem que também não terá contas a dar a nenhum Deus.
Morreste na ilha que visitei há um par de anos, onde tive vergonha da vaia de compatriotas nossos, que se seguiu à referência ao teu nome, pela guia espanhola. Desejosa de agradar, quiçá, e orgulhosa de ter um Nobel como habitante da sua ilha. Ainda que Português. Que vergonha, Saramago! Mas a ignorância é assim mesmo. Interrogo-me sobre o que teria acontecido naquele autocarro, se a guia tivesse nomeado um qualquer “craque”do futebol; mesmo parco, falho de golos!
Morreste, Saramago, com a idade do meu pai! Porventura com a cabeça mais leve do que a dele. Vítima de muitos fantasmas de infância, creio, e de outros. Adquiridos ao longo da vida, que ainda não findou para ele. Deo Gratias!
[Lisboa, 18 de Junho de 2010]Soube da notícia quando procurava um lugar para almoçar, na capital.
Soube da notícia quando esperava a minha filha, retida em mais um Curso! A melhorar o currículo que venha a impressionar um qualquer patrão, num futuro mais ou menos longínquo. Muito incerto.
Soube da notícia no meio do barulho de talheres, no labirinto de corredores de restaurantes e do estendal de lojas, após a descida
(aos Infernos?)
Apetecia-me partilhar a notícia com alguém.
Mas não podia incomodar a minha filha na sua senda de formação constante, rumo ao túnel onde não se divisa um emprego, ao fundo;
Não podia incomodar as cabeças ao alto, suspensas do penalty, afinal não concretizado.
Não podia partilhar a notícia com a Donizilda, brasileira a fazer pela vida, de pé, firme à caixa registadora do pré-pagamento. Não podia. Apesar do seu sorriso simpático e da sua paciência, à espera da decisão da escolha dos muitos clientes na bicha.
Decerto, Saramago, tu não dirias fila! Tu também utilizarias a portuguesa palavra, sem arroubos de modernismos; a estragares a estatística de quem reafirma as vantagens do Acordo Ortográfico: “hoje já ninguém, em Portugal, diz bicha!”
Tu dizias. E avonde, como a minha Avó. E, decerto, o meu querido Aquilino.
Finalmente, ganhei coragem e partilhei o meu pesar com o ainda jovem “gerente”, ao entregar-me o tabuleiro da comida. Um autêntico relações públicas da cozinha portuguesa.
A medo! Expectante! Ainda perguntei, titubeante: sabe quem é? Sabia. Não se ofendeu e disse, sorrindo: o da polémica com o livro Caim!
Um ainda mais jovem comensal, na calha para a entrega do repasto, indagou, com interesse na voz, e um toque pesaroso
(pareceu-me).
Forneci-lhe mais informação: a idade, o sítio da morte. Acrescentei que tinha a idade do meu pai. Não sei porquê. Porque estou a envelhecer? A repetir os gestos atávicos dos mais velhos que derramam o coração, e a vida, perante o ser que lhes fica mais próximo Quer seja no banco do autocarro, na bicha para o almoço ou num banco de jardim?
Não obstante, a conversa prosseguiu com o “gerente” conhecedor, não sei se do livro e do escritor, se da polémica. Num país onde tudo começa e acaba como a súbita rabanada de vento na poeira adormecida do caminho, à hora da sesta dos humanos. Agora, é que ele vai ter de explicar a Deus o Caim, disse, com um sorriso.
Tive ganas de lhe responder, e como vão os tiranos deste mundo explicar os seus muitos actos de ignomínia vária? Mas não tive ânimo e dei comigo a defender-te, Saramago! Dei comigo a fazer a apologia da tua preocupação com Deus. Com o verdadeiro Deus, a existir um. Não interessa por que nome o nomeemos.
Morreste na “tua” ilha espanhola. Na ilha de César Manrique. Um homem justo e preocupado com o ambiente, como poucos. Um homem que também não terá contas a dar a nenhum Deus.
Morreste na ilha que visitei há um par de anos, onde tive vergonha da vaia de compatriotas nossos, que se seguiu à referência ao teu nome, pela guia espanhola. Desejosa de agradar, quiçá, e orgulhosa de ter um Nobel como habitante da sua ilha. Ainda que Português. Que vergonha, Saramago! Mas a ignorância é assim mesmo. Interrogo-me sobre o que teria acontecido naquele autocarro, se a guia tivesse nomeado um qualquer “craque”do futebol; mesmo parco, falho de golos!
Morreste, Saramago, com a idade do meu pai! Porventura com a cabeça mais leve do que a dele. Vítima de muitos fantasmas de infância, creio, e de outros. Adquiridos ao longo da vida, que ainda não findou para ele. Deo Gratias!
escrito por Gabriela Correia, Faro
2 comentário(s). Ler/reagir:
Paz à alma de um homem seco mau e cruel que chegou ao ponto de dizer que nunca mais pisaria solo lusitano porque um sousa lara qualquer não lhe deu apoio para satisfazer a imensa vaidade de chegar ao nobel e que quando teve algum poder era simplesmente sub-director do DN mas sobrepondo-se ao mando do director saneou algumas dezenas de trabalhadores do jornal traiu o próprio partido comunista várias vezes sempre que os próprios interesses pessoais não se sentiram satisfeitos um homem que não sabia sorrir e de coração cruel e vingativo os textos foram sempre sarcáticos e tudo criticava para ele nada estava bem só a sua incomensurável vaidade
Uma vítima de JS
Também Sócrates e Cavaco disseram coisas de que hoje não se recordam. E vejam onde estão!
Para já não se falar de outros do PC que renegaram o Partido: os ilustres e os ilustres desconhecidos.
MC
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