Para não esquecer...

hoje é sábado 92 NOTAS SOBRE TAVIRA

Cheguei finalmente à vila da minha infância.
Desci do comboio, recordei-me, olhei, vi, comparei.
(tudo isto levou o espaço de tempo de um olhar cansado).
Tudo é velho onde fui novo.
Desde já — outras lojas, e outras frontarias de pinturas nos mesmos prédios —
Um automóvel que nunca vi (não os havia antes)
Estagna amarelo escuro ante uma porta entreaberta.
Tudo é velho onde fui novo.
Sim, porque até o mais novo que eu é ser velho o resto.
A casa que pintaram de novo é mais velha porque a pintaram de novo.
Paro diante da paisagem, e o que vejo sou eu.
Outrora aqui antevi-me esplendoroso aos 40 anos —
Senhor do mundo —
É aos 41 que desembarco do comboio [?indolentão?].
O que conquistei? Nada.
Nada, aliás, tenho a valer conquistado.
Trago o meu tédio e a minha falência fisicamente no pesar-me mais a mala…
De repente avanço seguro, resolutamente.
Passou toda a minha hesitação
Esta vila da minha infância é afinal uma cidade estrangeira.
(Estou à vontade, como sempre, perante o estranho, o que me dão é nada)
Sou forasteiro, tourist, transeunte.
É claro: é isso que sou.
Até em mim, meu Deus, até em mim.
[Álvaro de Campos]

escrito por Carlos M. E. Lopes

0 comentário(s). Ler/reagir: