A propósito da notícia de mais uma empresa com encerramento anunciado para breve, lembrei-me duma conversa havida lá em casa, no Verão passado.
A minha Mãe, considerando com atenção a Agenda Cultural, exclamou:
-- Sim senhores, a Guarda está deitada a valer!
-- A Guarda está deitada a valer? Interrogou com espanto na voz a empregada, enquanto alimentava a boca parada do meu Pai. À certa! Ironizou. Todos os dias fecham fábricas! Ainda no outro dia fechou…
Não acabou o argumento exemplificativo e justificativo. A minha Mãe ignorou olimpicamente o remoque, disposta a que não lhe dessem cabo do raciocínio, e insistiu, mais para si do que para os circunstantes:
-- Sim, senhor, a Guarda está deitada a valer!
E não arredava pé da afirmação, a tentar preservar o seu mundo perfeito; o seu “cantinho do céu”, como ela designa o lugar onde vive há anos, e, mais genericamente, Portugal. O “cantinho do céu” criado por Salazar, não obstante as bichas para o pão, o açúcar, o arroz. Onde esperava, firme, a sua vez, a barriga proeminente da filha ainda por nascer. Sem direito a atendimento facilitado; sequer antecipado.
A D. Odete bem se esforçava, a desencantá-la, na vã esperança de lhe trazer a realidade para o colo. Por fim, desistiu. Com velhos é melhor deixá-los na ilusão.
Vi jeitos, de a minha Mãe aí ficar, a rever-se no seu ponto de vista. Mas não, o excurso dos seus pensamentos cedo a levou a outro dos temas que lhe são queridos: a religião. A católica, bem entendido. E a crença dela nos dogmas que nunca questionou, e que não permite a ninguém questionar. Enlevada na peroração sobre os estultos “que andam cegos e não vêem verdades tão evidentes”, calou-se.
Nesse instante, a D. Cecília suspendeu os movimentos da esfregona com que lavava o chão da cozinha, e declarou, sem mais aquelas, bem disposta:
-- Pois eu, não sou crente nem descrente. Vamos indo! Acompanhando com um encolher de ombros a sentença pessoal.
E isto, sim senhores, é metafísica!
Que o Silva da Tabacaria não possuía, segundo Fernando Pessoa. “Que era má pessoa, como todos os escritores”, no dizer de valter hugo mãe.
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