Para não esquecer...

PARTIR?

Sócrates não partiu; concedeu a si próprio um interlúdio, preparado a preceito, de acordo com as mais sofisticadas regras do embuste. A peça a que estamos a assistir teve o desfecho que só uma mente diabólica pode imaginar. Perante uma situação insustentável que, sem apelo, o iria conduzir
[conduzindo-nos]
inevitavelmente ao precipício, encenou, com o rigor que lhe escasseia para a governação, cada acto da sua premeditada fuga
[para o poder].
Depois de Cavaco ter traduzido por palavras
[que afinal não soubemos interpretar…]
todo o ressentimento acumulado no já longo consulado socrático, o 1º ministro sabia que o seu prazo de validade podia, a qualquer momento, esgotar-se, surpreendendo-o. Assim, preferiu ser ele a montar o enredo e, num golpe de mágica, levou a Cavaco a sua própria demissão, numa bandeja de pechisbeque, onde só ele sabia o texto da legenda misteriosamente aí desenhada: - volto já!

Ao invés de ser despedido, sumindo pela porta dos fundos, estrategicamente remeteu para toda a oposição
– que contra si uniu, da esquerda à direita –
o ónus da falta de condições para governar; o álibi, já repetido até à náusea, faz parte da coreografia: sem mim, virá o caos! E os mercados, que pressentem o sangue dos inocentes, não tardaram em dar-lhe razão, fundamentalmente, porque Sócrates, sempre para o pior, era
[e é]
o abono dos agiotas e dos especuladores, de cuja doutrina se tem revelado fervoroso profeta.

O passo mais difícil
– e não há nisto nenhuma metáfora -,
está para vir e reside num simples enunciado: é preciso desmontar meticulosamente toda a perfídia socrática e essa terá que ser uma luta sem tréguas, todos os dias. Se Sócrates voltar, com a fé que ele e todos os seus apaniguados professam, então, sim, o caos será o seu próximo governo, se nos embevecermos com a sua (não) saída. Até que a democracia se recomponha, todos os dias devem ser jornadas de esclarecimento e de luta e, na refrega, se esta figura se desvanecer, teremos dado um passo de gigante, apeando do poder a iniquidade que nos tem delapidado, fundamentalmente, o ouro dos valores: qualquer deles, da justiça à liberdade.

escrito por Jerónimo Costa

2 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

«Quousque tandem,Socrates,abuteris patientia nostra?»
Já Cícero dizia: até que enfim,porra...
C.C.

Anónimo disse...

"Quem ruim cama fizer, nela se há-de deitar", já dizia a minha Avó.
Gabriela