Para não esquecer...

MARÇO E AS SEMENTEIRAS

Março já se foi e não nos apresentou um dia sobre o qual se possa dizer: benza-te Deus! Isto, porque me estou a recordar dos belos e quentes dias de Março, sobretudo na 3ª semana, em que a minha mãe exclamava: que belo dia de sementeiras!

Eu não queria saber das sementeiras para nada; queria era trocar a roupa pesada de Inverno, casaco comprido e botas, por roupa mais leve, sapatos e soquetes. De preferência de renda. Feitos pelas mãos habilidosas da minha Mãe; ou da minha Avó, ao soalheiro.

Ai, a inveja que eu tinha das “velhas ao sólheiro”, sem responsabilidades de trabalhos de casa com resultados correctos das contas de dividir, nem erros ortográficos na cópia. Que sorte a delas, ali à conversa sobre a vizinhança, os namoricos dos filhos das vizinhas, o novo padre e a sobrinha, os negócios da lavoura e mais as Festas e Romarias.

Março, marçagão! (computador ignorante, desconhece a palavra)
De manhã Inverno E à tarde Verão.

Mas nos dias de sementeiras não se notava a diferença. Era o dia inteiro de calor. Até aquecia a alma! Não sei a que sementeiras se referia a minha mãe, já citadina dos quatro costados, mas acho que era a sementeira das batatas. As tais batatas que eu comia em casa da minha Avó, com azeite leve e claro e azeitonas tão saborosas. Quem é que precisava de outro conduto?

Talvez a minha Mãe tivesse saudades da infância dela, quando as horas e o calendário eram marcados pelas actividades das gentes nos campos. E aquela frase exclamativa, dita com ênfase, fosse um pedido de desculpas por ter abandonado as suas raízes.

Podia muito bem ser!

escrito por Gabriela Correia, Faro

3 comentário(s). Ler/reagir:

Filhota disse...

Um fantástico texto, aliás como sempre,histórias de outras infâncias tão longínquas da minha, mas que me fazem invejá-las, talvés pela tranquilidade que transmitem bem como pelo ritmo brando que permitem, contrastando com o stress dos dias que correm.
Obrigada mais uma vez Mãe, por este maravilhoso texto.

Filhota disse...

Peço desculpa pelo erro no comentário, queria ter escrito "talvez" e não "talvés", isto deve-se ao adiantado da hora.

Belcorreia disse...

Como mais nova que sou, não tenho essas memórias,(ou será que estou mais velha)? Também não escreveria como tu! Muito bom! Não pares, como a Lídia Jorge te disse. Partilha com os mortais aquilo que guardas só para ti e mais umas quantas pessoas que gostam da tua escrita!
Vai em frente, sem receios.
Belcorreia