Para não esquecer...

A IRIDESCÊNCIA DOS DIAS - 3

O meu leitor de CDs pifou. Não sei porquê, mas emudeceu de vez.

Após um labirinto de indicações contrárias e ruas a abarrotar de edifícios de arquitectura pindérica, de algumas esplanadas tristes e exíguas como as ruas, atravancadas de carros, lá me (des) orientei até à loja de reparações. Já com o fio de Ariadne meio desfeito. Tal como a paciência.

No rés-do-chão, sob o peso de quatro ou cinco andares, onde o sol não será visita constante, enquadrada por TVs, rádios e outros objectos de electrónica, recortava-se a figura do proprietário.

O homem falava para uma plateia considerável, se atendermos ao espaço. Disse ao que vinha, inquirindo se aquele era o sítio certo. Um olho perplexo e orgulhoso arregalou-se na minha direcção:

-- Com certeza, minha senhora! Você veio ao melhor sítio nas redondezas. Um momento, se faz favor!

Esperei, em pé, na orla de uma floresta… Bem, de um ajuntamento de calças e opiniões.

-- É assim, e vai ser sempre assim; o PS dá cabo desta merda. Depois vem o PSD e arruma a casa.

E dava exemplos.

Disse de mim para o meu zipper que nunca haveria de pôr os pés na casa dele, nem que me pagassem. Por causa da arrumação. Vamos que a dita me assovacava?! (Gosto desta palavra).

Houve protestos na assembleia, que isto do pensamento único já lá vai. Vai mesmo?

Mas o orador não desarmava. E mudava de tom, e de tema.

E ria, chocarreiro, dos alunos de um certo curso, “onde passam todos, com boas notas”, de uma certa universidade, todos recambiados à procedência pelo empregador; iludido pelas altas classificações e, posteriormente desiludido ante a performance dos detentores de tão glamouroso canudo. Ele próprio frequentara a universidade. “Mas só até ao 2º Ano”.

Os ouvintes, por certo não dominando o tema, calaram-se e a discussão foi amainando, como uma tempestade que perde força. Acabando por desembocar no silêncio.

Considerei o momento a minha oportunidade. O homem ouviu o meu relato e fez logo ali o diagnóstico precoce do mal do aparelho. Tive de pagar a “taxa moderadora”, a deduzir na conta final, somando a estada no estabelecimento e a reparação.”Caso esteja interessada, claro!”

Aceitei os termos do contrato.

Dois ou três dias volvidos, recebi um telefonema a anunciar-me a confirmação do diagnóstico, bem como o preço da reparação. Já efectuada, sem o meu consentimento prévio, conforme fora acordado entre as partes. O preço quedava-se ligeiramente abaixo do custo do aparelho novo. Assenti, quand même.

Já o fui resgatar; desta vez sem fio de Ariadne, nem “tertúlia” à vista.

-- Ora aqui tem o aparelhozinho! Prontinho! (Esta tendência para os diminutivos começou quando? Com o Portugal dos Pequeninos? como já alguém referiu). Qualquer coisa, já sabe. É só dizer.

Até à data ainda não tive razão de queixa.

escrito por Gabriela Correia, Faro

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