Para não esquecer...

EX-CITAÇÕES * 123. qualquer semelhança...

...com a situação actual não é pura coincidência.

E querendo António de Faria embarcar, se quis despedir primeiro do ermitão…, dizendo que lhe pedia muito pelo amor de Deus que se não escandalizasse (o roubo da prata que se achava nos caixões de mistura com os ossos dos finados e que estavam à guarda do ermitão), porque lhe certificava que a muita pobreza em que se via o fizera fazer aquilo, que na verdade não era de sua condição… pelo que levava determinado ir-se logo por esse mundo a fazer tanta penitência quanta entendia que lhe era necessária para satisfação de tamanho crime. 
Ao que o ermitão respondeu: 
-- Praza ao Senhor que te não faça mal entenderes tanto dele quanto mostras nessas palavras. Porque te afirmo que muito maior perigo corre o que isto entende se faz más obras, que o ignorante sem lei a quem a falta de entendimento está desculpando com Deus e com o mundo. 
Aqui se quis intrometer na conversa um dos nossos de nome Nuno Coelho e lhe disse que se não agastasse por tão pouco. A quem ele (ermitão) respondeu: 
-- … E se queres mais prata, como mostras na sede de tua cobiça, para com ela acabares bem de encher o fardel do teu infernal apetite, nessoutras casas acharás com que bem te enchas até arrebentares… 
E tornando o Nuno Coelho a replicar que lhe rogava que tomasse tudo em paciência, porque assim o mandava Deus em sua santa lei, o ermitão, pondo a mão na testa a modo de espanto, … lhe respondeu: 
-- Certo que agora vejo o que nunca cuidei que visse nem ouvisse: maldade por natureza e virtude fingida, que é furtar e pregar! …
[Fernão Mendes Pinto. In Peregrinação, Livro Três, Cap. LV A LXXIX, pp. 105 /106]

escrito por Gabriela Correia, Faro

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