Para não esquecer...

A IRIDESCÊNCIA DOS DIAS - 4 AS CONVICÇÕES

De quando em vez, temos de rever as nossas convicções, sentenciou-me uma colaboradora doméstica que, por acaso, ou talvez não, era brasileira. Quase lhe segui o conselho, mas arrepiei caminho, a tempo. Do que não me arrependo: ele há convicções e convicções! E é minha convicção de que algumas delas podem (não digo devem) ser revistas, sem prejuízo da nossa interioridade. Não me refiro, claro está, à geográfica.

Assim sendo, e sempre que necessito, dirijo-me, sem preconceitos, às “catedrais do consumo”, como alguém lhes chamou, numa expressão nada original, diga-se, jurando e trejurando que nunca (never say never) lá poria o pé. Mas quem mais jura, mais mente, não é? De modo que pôs lá os dois, e mais do que uma vez. Que eu visse.

Numa dessas visitas às “catedrais”, encontrei amigos que não via há já algum tempo, enredados que andamos no quotidiano. A mesa da conversa de café transformou-se rapidamente num ágape de lamentações; sendo a crise claramente, ou turvamente, o prato forte.

Estávamos nisto: crise para cá, soluções para lá e no meio o desalento, eis senão quando chega outra amiga, que não sendo comum, foi introduzida na roda. Afinal, o mundo é pequeno, e Faro diminuto: os desconhecidos revelaram, entanto, ter mais pontos de contacto e afinidades electivas, por via dos filhos e netos, do que era expectável. A saudade dela mitigada pela alegria de saber os seus felizes, na estranja. Tiveram sorte, disse, com o olhar brilhante! Estão radiantes, continuou ela, o que espoletou a troca imediata de e-mails, para estreitar contactos e acautelar, quem sabe, futuros inquietos.

Com um pé na pressa, o outro no aconchego da conversa, a recém-chegada acabou por se sentar com convicção e relatou-nos, desconsolada e revoltada, o que se passara na missa dominical desse domingo: aindamente, não queria acreditar no que ouvira ao padre. E novo! A negação do direito de comungar a quem chegara tarde e aos casais “que não são casados”. Estava desolada; e asseverou, com convicção inabalável, que iria mudar de igreja e, por conseguinte, de padre, porque não queria ocupar o coração com pensamentos menos cristãos num local de recolhimento e oração. E lá se foi, feliz com a decisão.

Sorri ao recordar o que lera no diário, recuperado, do escritor José Gomes Ferreira, com o título Dias Comuns, onde ele escreveu, a 26 de Outubro de 1968, o seguinte: Ao passo que vou envelhecendo, vou sentindo cada vez mais a tentação de não aturar padres…Sejam eles medianeiros, fiscais, pregadores de céus velhos ou de mundos novos… padres religiosos ou ateus…Padres… Bocas de musgo vaidoso. Limitadores de liberdade. Ámen, digo eu.

Todavia, e pese embora ele não esteja só a falar de padres propriamente ditos, é minha convicção que o outro lado da moeda, tem igualmente de ser visto; bem basta o vazio que, como diz Gonçalo M. Tavares, “também quer ser visto, mas não pode”. Assim sendo, recomendo a leitura da entrevista do P.e Carreira das Neves sobre a bíblia e as religiões. Esta abalou as minhas convicções quanto a este teólogo, cimentadas na celeuma aquando da publicação do livro de Saramago “Caim”. Parece outro homem a falar, agora.

Por falar em convicções apriorísticas: estou a escrever este texto na sede dos meus “amigos” e vizinhos Motards, onde o café, e não só, é mais barato. São vizinhos simpáticos e educados, apesar (?) do aspecto tribal, dos veículos ruidosos, da cerveja e da panóplia de símbolos expostos.

Pois é, convicções, convicções, cada um chama-lhes suas.

[Faro, sede dos Motards, 12 de Janeiro de 2013]

escrito por Gabriela Correia, Faro

1 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Texto de circunstÂncia, mas bem escrito.
Miguel