Antes nascesses de um ovo
mas sem assa que se vissem
Antes tivesse de um potro
só a secreta malícia
Antes crescesses no forro
de um telhado todo em cinzas
Antes pregasses num poço
e nunca de lá saísses
Ou fosses bobo de bobos
na corte dos reis mais tristes
Ou suspirasse de rojo
nos rasto das meretrizes
Ou transido como o bolso
de perseguida peliça
te cosesses pouco a pouco
com receio da polícia
Ou entre judeus e mouros
fosses só balas perdidas
Ou na letra dos acordos
nem para vento servisses
Antes nada ou nado-morto
que nado nesta imundície
Mas nem eu tinha o arrojo
de te dizer tudo isto
de achar o mundo tão porco
se não tivesses nascido
[Mourão-Ferreira, David, Obra Poética, Editorial Presença, Lisboa, 1988, pág. 231/232]
escrito por Carlos M. E. Lopes
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