Para não esquecer...

EM DEFESA DA ESCOLA PÚBLICA

Publico, a seguir, o texto escrito por uma professora do ensino secundário e lido e largamente aplaudido em reunião geral de professores da escola onde leciona:

Tenho que manifestar publicamente a minha indignação e repúdio pelas medidas e iniciativas governamentais no que à Educação diz respeito. E faço-o por defender desde sempre a Escola Pública e uma Escola Pública de grande qualidade.

Entre outros, não posso aceitar

  1. O aumento do horário de trabalho para 40 horas e o fim, primeiro anunciado, depois calado, da redução da componente lectiva (Art 79º do ECD). Para o próximo ano lectivo, com o DESPACHO NORMATIVO que regula a Organização do Ano Escolar (OAE) parece ainda estar assegurado o Art 79º do ECD. Mas o horário das 22 horas, mesmo tendo este documento saído mesmo à porta de uma greve às avaliações e aos exames, já foi alterado. Tinha acabado o Ministro de anunciar na televisão que não haveria alteração da componente lectiva e deparamo-nos com um aumento de 2 horas: a Direção de Turma passou para a componente não lectiva.
Em relação ao nº de horas semanais de trabalho: até o actual regime já é uma exploração. Este aumento irá ter consequências gravíssimas na qualidade do ensino. Basta fazermos umas contitas. Só a título de exemplo, e com valores por defeito, para um professor com 3 turmas:
  • Tempo para elaboração e correcção de 1 teste:
    • Elaboração do teste : 4 horas
    • Elaboração de critérios de correcção: 1 hora
    • Correcção: 6 horas (menos de 15 minutos a corrigir 1 teste???)
    • 2 testes por período a cada turma – 66 horas por período – 196 horas ao ano

  • Tempo para fichas de trabalho:
    •  Elaboração: 1 hora
    • Definir critérios: ½ hora
    • Corrigir: 2 horas
    • 4 fichas por período em cada turma – 14 horas por período – 42 horas no final do ano
  • Preparação de aulas, para além do fixado no horário – tempo médio por semana, em casa: 10h
    • 10H x 12 semanas = 120 horas num período
    • 360 horas ao ano
  • Reuniões que não constam do horário:
    • Reuniões intercalares : 3 x 2.5 horas = 7.5 horas
    • Reuniões de DT’s: 5x2 horas = 10 horas
    • Reuniões de departamento: 3x1hora=3 horas
    • Reuniões Gerais: 3 horas
    • Reuniões com Pais e EE : 2.5 horas
    • Preparação das reuniões de avaliação: 2 hora cada – 6Hx3= 18 horas
  • Seminários e Conferências (a que o professor vai para melhorar a sua prestação, em benefício da Escola e dos alunos) – 10 horas
  • Visitas de estudo – por exemplo 2 visitas de 1 dia e outra de dois dias: 3H+3H+40 H= 46 H
  • TOTAL: 682 horas
    • Considerando 11 meses de trabalho (nem sequer excluo feriados e muito menos interrupções!), 682H : 11 = 62Horas (por mês); ou seja, 15.5 horas por semana.
  • Actualmente, estão previstas 8 horas semanais para trabalho individual fora da Escola! E, em média, e por defeito, estamos a trabalhar 15.5 horas. Na prática, os professores já trabalham por semana bem mais que as apregoadas 40 horas! Considerando estas contas, isso perfaz 35 H + 15.5 H = 50.5 horas por semana!
    Realmente, o horário de trabalho de um professor é, já há muito, superior a 40 horas semanais! E o sr Ministro bem o sabe!

    E, repare-se, naquelas contas não estão incluídas actividades extra que muitos professores desenvolvem: atendimento e conversas com alunos e ou pais (trabalhamos com meninos e meninas e não com máquinas ou papéis!).

  1. O crescente número de alunos por turma e número de alunos por professor, que só pode conduzir a uma perda de qualidade do ensino.

  2. Os cortes salariais com as consequentes implicações na vida de cada um e na dignificação da profissão.

  3. O inadmissível congelamento das carreiras e progressões.

  4. Este recém criado regime de mobilidade e as suas drásticas e desonestas consequências, que não é mais que um despedimento colectivo – basta relembrar os termos utilizados pelo Ministro sobre este assunto... 

  5. O constante atropelamento legislativo no sentido de a tutela não cumprir os compromissos assumidos, como sejam os sucessivos regimes de aposentação.

  6. As constantes alterações, tanto legislativas como curriculares, que têm uma só razão – poupar uns tostões, com consequências desastrosas para a Escola Pública. 

  7. O clima de grande instabilidade e medo, consciente e propositadamente instalado nas Escolas, que prejudica todo o trabalho de ensino e aprendizagem e todo o bom ambiente necessário a uma Escola.
Por tudo isto atrás enumerado, tenho tentado ser coerente e interveniente (dentro das minhas modestas possibilidades) na defesa da nossa Escola. Da nossa Liberdade. Do nosso Futuro. É nesse sentido que aqui decidi deixar este testemunho, que muito me honrará se mais alguém entender subscrever, para enviar ou tornar público. É que tenho a certeza de que este meu descontentamento, desilusão e indignação, é também de muitos outros colegas. E exige uma luta e um fazer frente colectivo. Se não, um dia destes, quando olharmos para o lado e virmos um colega a ir para a mobilidade ou para o desemprego, ainda dizemos/pensamos “ vá lá, ainda não está mal! Antes ele do que eu! Eu cá me vou aguentando” – e isso seria terrível! Sem retorno... Isso não pode acontecer. Por causa da Escola Pública, por causa de sermos Professores e por causa de nós!!!

[Graça Martins]


escrito por ai.valhamedeus

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