Para não esquecer...

DO CONTRA [99] os caminhos de Deus são insondáveis


O Vaticano anunciou, há tempos, a data para ser declarada a santidade de dois papas. Simpatizo com um deles; o outro, sobre o qual escrevi aqui várias notas, é o ss jp2 (mais conhecido por sua santidade João Paulo II).

A jp2 são atribuídos dois milagres. O santo curou duas pessoas. Ambas, duas humildes pessoas. Aliás, não tenho conhecimento de que tenha havido milagres envolvendo gente que não seja humilde -- de onde se pode(m) tirar uma(s) de várias conclusões:
  1. Deus (apenas) protege os humildes.
  2. Apenas os humildes notam os milagres.
  3. Os milagres são coisa da imaginação de gente humilde (signifique "humilde" o que significar).
Seja como for, fica-me uma dúvida: se jp2 curou duas pessoas, por que razão não há de o santo curar todos? a mim, por exemplo, que bem preciso. E, já agora, a todos os portugueses -- de doenças como o atual primeiro-ministro e o seu governo.

Decididamente, os caminhos de Deus são insondáveis...

escrito por ai.valhamedeus

9 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

Ah, como eu o compreendo!
Zé do Telhado

Anónimo disse...

Como você é versado nas sagrada escritura - que tantas vezes (voluntaria ou involuntariamente a leu e meditou) acaba por, em jeito de gozo, a apresentar no seu esplendor: a mensagem cristã é de simples, para simples, de excluídos para excluídos e por aí adiante... é isso que lá se afirma da primeira à última linha. A ser assim, porque é que a sua mensagem haveria de ser compreendida pelos grandes intelectuais e "potentes" cérebros da humanidade? seria a maior contradição entre a mensagem e a sua realização. as ilusões dos "pobres de espírito" e parcos conhecimentos valem tanto como o saber acumulado por uma minoria que o usa em proveito próprio, ou como diz a escritura para sua vanglória. a fé não se discute, ou se sente ou não se sente. nada tem a ver com a razão, esse foi erro da idade média que deu os resultados que deu - muita intolerância e carnificina inqualificável.

Ai meu Deus disse...

Caro/a anónimo/a, está enganado/a pelo menos num ponto: a fé discute-se. Diga Amen a tudo, se assim entender, que está no seu direito; mas eu discuto-a. E apresento-lhe algumas razões:

1. Poderá dizer que eu sou ateu (no que não erra) e por isso a discuto (ou não a aceito). Mas lembro-lhe que as verdades de fé não são unanimemente aceites por todos os "fiéis". E não é necessário confrontar a fé cristã com a não-cristã; basta confrontar diferentes grupos cristãos (dispensa-me a exemplificação?). Porque é pacífico que isso de "mensagem cristã" não é tão uniforme como parece (querer fazer) crer. Estava a pensar em que mensagem? (não me diga que é a de Cristo, porque isso varia muito, tanto como os grupos cristãos);

2. para além de diversas (e até contraditórias), as verdades da fé são, nalguns casos, incongruentes. Quer um exemplo no seu texto? Aí vai. Diz que "a mensagem cristã é de simples, para simples, de excluídos para excluídos" (deixamos de lado os excluídos, que é coisa muito polémica, e ficamos com os simples). A verdade é que não são os simples a revelarem-nos a mensagem cristã (ou coisas como a infalibilidade papal referem-se a esses humildes?). É falso que o saber dos humildes valha tanto
como a dos intelectuais (os do Vaticano, por exemplo. Ou quem é que explica -- e até determina -- a mensagem cristã?);

3. algumas verdades são mesmo irracionais. A própria fundamentação é-o. A mensagem (humana, da fé) fundamenta-se na escritura, diz-se; e qual é a fundamentação do valor da escritura? fundamentação humana, digo eu (ou ter-se-á alguma vez revelado Deus diretamente aos homens, fora da escritura?). E estamos num círculo vicioso complicado;

4. há uma incongruência nos que dizem que a fé não se discute: é que discutem a posição contrário, como o/a anónimo/a fez (e muito bem) ao meu texto.

E fico-me por aqui, para não alongar demasiado a minha resposta. Mas, já agora, gostava de insistir nestas dúvidas: admitamos que foram curadas duas pessoas pela intercessão de João Paulo II. Pergunto:

a) porquê só estas duas pessoas? Já não digo que a coisa se alargasse aos grandes, aos intelectuais, aos potentes cérebros; mas... que raio! com tanta gente humilde a precisar de cura...

b) de onde vem tanta certeza de se ter tratado da intercessão de João Paulo II? Do que as pessoas curadas dizem? Mas elas não se podem enganar, mesmo sendo pessoas humildes (e portanto, parece, que de confiança)? (se me permitisse a brincadeira: por que razão não posso ter sido eu a interceder?);

c) e, para ir ao limite, por que razão os grandes intelectuais não merecem a bênção de Deus? que raio! será assim tão mau ser grande intelectual?

Por favor, não me responda que isto ou se aceita ou não se aceita. Essa atitude é uma das mais humilhantes formas de humilhar (passe a repetição) as pessoas: é recusar uma das capacidades humanas mais nobres: a capacidade de pensar.

Já agora... só mais isto... ;-) explique-me, por favor, essa de ter sido a razão a causadora da intolerância e carnificina medievais. É que isso é, para mim, uma novidade de todo o tamanho...

Anónimo disse...

Interpretou mal a última parte. Foi a confusão fé/razão que deu origem às carnificinas medievais e de outros tempos como os actuais (em algumas partes do mundo, é claro).
quanto ao resto da argumentação não estou em condições de a discutir pois faltam-me os conhecimentos do meu amigo.
Para mim enquanto crente a coisa é simples: a fé é, se assim quiser do domínio do sentimento, é vivida, pessoal e intransmissível pela razão. eu sei o que ela é em comunhão com outros que tal como eu a "sentem" - pode dizer-se dela o que Santo Agostinho refere do Tempo. O resto é as "fezadas", os milagres do povo e a alienação do colectivo, mas não é para essa discussão que quero contribuir.
sou kierkegaardiano: a fé é um sentimento próprio que pode ser "segredado" àqueles que comigo o partilham, mas jamais pode ser racionalizado, pois ela não se revela pela razão.

Ai meu Deus disse...

Caro/a anónimo/a,

Deixe-me insistir nesta ideia: o fideísmo (sobretudo o radical, como parece ser o seu e é certamente o de Kierkegaard) é incoerente. O seu último comentário traz novas "provas".

Diz que não (se) discute a fé. Mas

a) entretanto, discute a fé
(sim! é de fé que se trata!)
a que chama "fezadas", "os milagres do povo"
(não são estes os humildes de que falava antes?),
o "colectivo". Nestes casos, trata-se de fé (e provavelmente, se é possível, ainda menos discutível do que a sua);

b) entretanto, discute/critica o que chama "confusão fé/razão" medieval, mas que na realidade não foi senão fé
(determinada fé, digamos assim, como a sua também é determinada fé e a do povo e do colectivo, também).
Os perigos do fideísmo estão, parece-me, precisamente no facto de não se aceitar discutir a fé: como é indiscutível, a fé dá para tudo, até para as carnificinas das Cruzadas e o que se sabe da Inquisição;

c) entretanto, o seu "domínio do sentimento" "empurra-o/a" para a fé cristã. Porquê? Por que RAZÃO o seu sentimento o/a não "empurra" para a fé de "algumas partes do mundo" (suponho estar a referir-se a algumas INTERPRETAÇÕES (fés! ;-)) do islamismo)? Ou por que RAZÃO não aceita a mensagem pagã dos antigos deuses gregos ou romanos, em vez da cristã? Por que RAZÃO é que não acredita em Júpiter ou Zeus ou Vénus? Não há RAZÃO nenhuma para isso? (insisto: RAZÃO).

Anónimo disse...

A minha vivência é cristã, mas nela cabem todas as outras - induísmo, islamismo, paganismo, budismo.
a minha fé é a expressão da relação que tenho com o Absoluto - insisto particular e subjectiva - materializada neste caso nos ensinamentos cristãos - que para mim são tão válidos como os das outras religiões - provavelmente se vivesse num país/cultura islâmico, budista, animista, materialista... e se tivesse desenvolvido a mesma sensibilidade religiosa, isto é, a maneira como encaro a relação homem/Deus, finito/infinito, relativo/absoluto... tenho a certeza que teria exactamente a mesma fé.
deste ponto de vista ela é totalmente incompatível com qualquer totalitarismo e tentativa de moldar o espaço social. como diz algures a escritura "A Deus o que é de Deus e a César o que é de César". Chega, não é preciso mais nada.
desculpe mas não consigo ver a fé pela dialéctica bem/mal, individualismo/comunitarismo, pecado/perdão, indulgências, milagres e por aí fora... isso aprendi na catequeze e em parte do culto e esses aspectos não são fundamentais para a minha fé que é mais panteísta, à maneira de Espinosa, Deus/Absoluto está em tudo e tudo é Deus/Absoluto, o céu, a lua, as estrelas, os homens e as mulheres, as árvores, os rios os mares, as pedras... são partes do Absoluto, e nós seres eminentemente racionais e inteligentes continuamos a confundir a parcela com o todo.

Ai meu Deus disse...

Caro/a anónimo/a, não sei que lhe diga. Se é cristão/ã, mas poderia ser outra "coisa" qualquer; se é cristão/ã kierkegaardeano/a panteísta; se tanto faz o cristianismo como o islamismo como o paganismo como o budismo; se... o resto que me dispenso de citar,... Bem... face a tanta "abertura", não me ocorre mais nada senão a lapidar sentença célebre (entre nós, os amigos) do meu amigo Quim: caro/a anónimo/a, "sou dessa opinião ou da contrária, se necessário for".

Já agora...

1) estranho que, com tanta "abertura", continue a pensar que a fé não se discute. Ou já desistiu dessa posição?
2) está desculpado/a (na parte que me toca) por não conseguir "ver a fé pela dialéctica bem/mal, individualismo/comunitarismo, pecado/perdão, indulgências, milagres e por aí fora". Também neste ponto, sou desta opinião ou da contrária, se necessário for.

Anónimo disse...

Não é nada complicado. basta apenas nem intelectualizar nem dogmatizar a fé.
a fé como eu a vivo - repito enquanto relação pessoal/minha com o absoluto ou na procura que me interpela do necessário complemento finito/infinito diz respeito a todos.
o que me diz que é contraditório só o é na aparência e pelas leis do dito discurso lógico em que as correntes de pensamento contraditórias que cita o quiseram exprimir, e isso, aqui não tem cabimento. É a mesma preocupação que leva a suposições diversas - A procura do Absoluto - nos animistas, panteístas, cristãos, budistas, judeus e por aí fora... que na tentativa de universalizar uma explicação tentam fixá-la sob um discurso lógico de prescrições obrigatórias para os que aderem a esse discurso dentro de uma determinada comunidade.
Mas mesmo que pareça absurdo á sua tentativa de racionalização da fé, no Absoluto cabe uma coisa e o seu contrário, nem mais nem menos, por isso é que o domínio da fé deve ser o paradoxo e não o ortodoxo, este apenas serve para a fé enquanto ideologia e organização artificial, digamos assim, numa linguagem marxista, de ilusão das massas. Qunato à fé para mim é válido o conselho do filósofo dos princípios lógicos Wittgenstein que diz mais ou menos que daquilo que não se pode falar, é melhor estar calado.

Ai meu Deus disse...

Prontusss! Prontusss! Já me calei.