Para não esquecer...

CARTÃO DE CIDADÃO -- DIA DA MULHER

Na vida perde-se muito, e ganha-se outro tanto, talvez.

Perde-se a paciência, as mais das vezes; perdem-se amigos, entes queridos, e menos queridos. Perde-se tempo. E como!

Perde-se, enfim, o cabelo, os dentes, a elasticidade dos membros, ou mesmo algum deles. Perde-se, hélas, a juventude.

Mas perder um dos nomes por culpa da informatização e da aposentadoria, isso é que não!

Pois foi o que me aconteceu, quando me dirigi à Loja do Cidadão, para renovar o meu BI e adquirir, finalmente, o tão esperado CC. Ser do sexo feminino e ter um Cartão de Cidadão, tratado e adquirido na Loja do Cidadão, já de si é deprimente; mas ter de esperar umas duas horas pelo resultado do telefonema para a Conservatória do Registo. onde abri, pela vez primeira, os olhos para a vida, a fim de verificarem o erro na informatização dos dados, que levou ao extravio. ou pura eliminação do meu último apelido, e reporem, literalmente, a legalidade, já ultrapassava o razoável.

Por último, last but not least, enfrentar aquele olho da máquina, que nos trespassa a alma e nos tira o retrato, sem qualquer acerto estético, fazendo-nos ter saudades das poses estudadas que os antigos fotógrafos nos aconselhavam “para ficarmos bem na fotografia”, é humilhante, que vos digo eu.

E lá vem depois o resultado arrelampado da operação, apesar da paciência infinita da funcionária, que me fez três “takes”, e ainda sugeriu que suspendêssemos a operação e a transferíssemos para o dia seguinte, ante o meu olhar horrorizado e os meus protestos: não me reconheço, pareço uma velha! Quem puser os olhos nos passaportes ou no CC portugueses vai achar que somos todos feios em Portugal, concluí. Amavelmente, informou-me não ser eu a única pessoa a protestar e a recusar-se a aceitar tal despautério. Das máquinas, claro!

Mudámos de máquina, à procura de outra mais benevolente para com a candidata a Cláudia Schiffer. Qual quê? Tudo igual.

Derrotada, desisti e acabei por escolher a que me pareceu menos má.

Compreendi, então, o porquê de uma longa fila de gente à espera, entupindo os serviços. Nessa tarde até um guarda-chuva foi utilizado para a fotografia sair, visto a luz excessiva da janela próxima estar a interferir em operação tão delicada, disse-me a minha interlocutora. Estava, assim, explicada a presença de tão inusitado objecto, o qual eu atribuíra à época carnavalesca que se aproximava.

E um pensamento rápido atravessou-me o espírito: a quem terão encomendado os nossos governantes tais máquinas? Só por tal encomenda já mereceriam estar na prisão...

Agora, dizem-me, tenho de guardar durante 5 anos, os códigos do cartão, testemunhas silenciosas dum parto tão atribulado.

-- É a modernidade! Em nome da segurança!

Pois, pensemos nos acontecimentos dos últimos meses, e descansemos: Espero que não em paz, como as suas vítimas.

escrito por Gabriela Correia, Faro

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