Para não esquecer...

ILUSTRAÇÕES... DE UM OUTRO SENTIR * 65

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ODE MARÍTIMA
(…)
Ah, todo o cais é uma saudade de pedra! 
E quando o navio larga do cais 
E se repara de repente que se abriu um espaço 
Entre o cais e o navio, 
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente, 
Uma névoa de sentimentos de tristeza 
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas 
Como a primeira janela onde a madrugada bate, 
E me envolve como uma recordação duma outra pessoa 
Que fosse misteriosamente minha. 

Ah, quem sabe, quem sabe, 
Se não parti outrora, antes de mim, 
Dum cais; se não deixei, navio ao sol 
Oblíquo da madrugada, 
Uma outra espécie de porto? 
Quem sabe se não deixei, antes de a hora 
Do mundo exterior como eu o vejo 
Raiar-se para mim, 
Um grande cais cheio de pouca gente, 
Duma grande cidade meio-desperta, 
Duma enorme cidade comercial, crescida, apoplética, 
Tanto quanto isso pode ser fora do Espaço e do Tempo? 
[Álvaro de Campos, Ode Marítima (excerto)]
[esta é a segunda de cinco ilustrações (de excertos) de Ode Marítima. A primeira está aqui. A terceira, aqui]
foto, de ai.valhamedeus; escolha do poema, de Ana Paula Menezes.

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