Para não esquecer...

na rede [36] A ARGUMENTAÇÃO É GREGA


Um texto, argumentativamente medíocre, de Helena Matos (HM), no Observador, gerou um grande número de comentários. Grande, talvez porque o tema é o tema quente do momento (o referendo na Grécia, claro); e/ou porque, não tendo qualquer interesse argumentativo, está no entanto escrito em estilo emotivo (para não usar adjetivo mais "forte").

Os comentários, apesar de muitos, são também esmagadoramente sem interesse, tanto de um lado como do outro da barricada, porque adotam o estilo helenístico-matosista. Mas há exceções. E boas.

A primeira exceção mostra o ponto fraco do texto (numa perspetiva argumentativa): dito por palavras minhas, faz lembrar aquelas anedotas onde Samora Machel é/era o protagonista principal, sendo que poderia ser substituído por um qualquer de outras milhentas personagens. HM, concretamente, escreve isto sobre os atuais governantes gregos:
A coisa começou mais ou menos assim: eles têm tanta graça. Porque não usam gravata. Porque usam rabo de cavalo. Porque rapam o cabelo. Porque andam de bicicleta. Porque andam de mota. Porque andam de metro. Porque andam. Porque são aplaudidos nas marchas do negócio do politicamente correcto. Porque passam dos restaurantes mais in para os colectivos de okupas. Porque para lá dos seus círculos só vêem roubalheira, negociatas, interesses.

O comentador João Antunes contrapõe um texto com a mesma "estrutura", mas aplicado a outras personagens (quem são, quem são?):
E é mais ou menos assim: eles não têm nenhuma graça. Aquele ar formal e sério de quem não gosta de ser posto em causa. Sempre vestidos de fardas sociais, sem cores vivas, tudo muito cinzento e pálido. Cabelos todos cortadinhos a régua e esquadro, com penteados perfeitos e riscos sem curvas. Andam de carros pretos ou cinzas, de gama alta e estofados a couro. Isso de andar de transportes públicos é para os pobres que cheiram mal. Raramente são aplaudidos, pois os seus discursos não têm sal, são monocórdicos, monótonos, repetindo as fórmulas aprendidas nas universidades de renome, sustentando a sua credibilidade nos seus múltiplos diplomas e mestrados que fizeram… tudo com muito mofo e pouca vitalidade. Nada de ideias novas, que isso requer inteligência e sabedoria. Vão sempre aos mesmos restaurantes e sentam-se sempre nas mesmas mesas. O empregado já os serve de olhos vendados e quando chegam o prato já está na mesa porque pedem sempre o mesmo. Nada de novo. Porque para lá dos seus círculos só vêem…nada, pois claro.
No meio dos comentários, um comentador pergunta, ironicamente, a um outro se é contra mais empréstimos aos gregos. A resposta do segundo, Pedro Pinheiro Augusto, mostra a "complexidade" dos "empréstimos" europeus:

Sou contra muita coisa.Em primeiro lugar, sou contra um sistema que permite ser transferida dívida de risco de privados para o público. No momento que a troika interveio na Grécia você, tal como eu, foi chamado a assumir dívida grega que era de bancos alemães e franceses. Foi peculato. Entendo que quem emprestou mal deve arcar com as consequências, seja um banco seja um estado, uma vez que se cobra juros que, supostamente, reflectem os riscos do empréstimo.Em segundo segundo lugar, sou contra a escravidão sob qualquer forma. Entendo que a actuação da troika visou escravizar o devedor, de maneira a obrigá-lo a agir contra os seus interesses, usando a dívida coercivamente.Em terceito lugar, sou contra o vazio ideológico da política em geral e das povoações em particular. O vazio ideológico leva à ditadura do poder vigente. Isso é fascismo.Ou seja, não sou contra mais empréstimos, desde que sejam responsáveis e desde que se insiram num plano de reformas estruturais e de crescimento económico que a Grécia precisa desperadamente (tal como Portugal) cuja responsabilidade não pode ser de mais ninguém senão do governo grego, devendo os credores submeter a exequibilidade do plano a avaliação por um painel isento e depois acompanhar a sua execução. A dívida deve ser renegociada de maneira a ser sustentável e apuradas responsabilidades de todas as partes sobre o seu montante total e respectivas partes, principalmente sobre as perdas registadas. Mais poderia dizer, mas para bom entendedor boa palavra basta. É assim que se trabalha.
escrito por ai.valhamedeus

10 comentário(s). Ler/reagir:

Anónimo disse...

E o problema é sempre o mesmo: há uns tesos que querem viver á custa dos outros e há os que pagam que se cansam de, como costuma dizer o povo "sustentar pançudos". Como veem não é preciso grande teoria argumentativa para explicar a coisa: o povo, de forma sintética, diz tudo.


Se os tipos da Grécia fossem o que dizem que são, davam um pontapé na Europa, não pagavam puto e mobilizavam toda a sociedade para uma nova vida, isso é que era, mas não fazem, preferem pedinchar, para, também como diz o povo "não levarem um pontapé no cú" e perderem o poder de que tanto gostam.

Voz do povo, voz de deus disse...

Inteiramente de acordo, amigo/a anónimo/a. Houvesse mais gente assim lúcida, e o mundo seria outro. Para quê procurar argumentações complicadas, se na sabedoria popular está expressa, metaforicamente ou não, toda a sabedoria divina?

Nela encontramos resposta para todas as situações. Para o caso presente, serve (uma mera hipótese) o ditado "vozes de burro não chegam ao céu". Serve, não serve?

Ai meu Deus disse...

Caro anónimo,

o seu comentário e o de "Voz do povo, voz de deus" são duas boas provas de que não têm razão. A sabedoria popular nem sempre é a voz de Deus -- ou então Deus tem "opiniões" um tanto estranhas. Além disso, invocar provérbios ou adágios populares, sem mais, é um modo "perigoso" de "provar" o que quer que seja. Qualquer ditado popular "defende" algo -- ou o seu contrário, se necessário for. É só "dar-lhe a volta". E isto por uma razão simples: são demasiado vagos/genéricos...

Recordo uma canção de Chico Buarque, onde ele faz o jogo (com muita propriedade) de "inverter" esses ditados

Anónimo disse...

o primeiro "respondedor" tem razão: sou burro - talvez como todos aqueles que não pensam como sua excelência possivelmente detentor de muitos e credíveis certificados académicos - tal como o Varofakis que já foi e Tsipras que está para ir...

O segundo também tem razão: é óbvio que a sabedoria popular não responde a tudo, mas ajuda, porque é o saber acumulado da idade do mundo, tão só isso. É esse povo que sabe que ninguém paga dívidas e enriquece e que quem não tem como alimentar o povo não lhe resta outra saída que a aceitação das condições que lhe impõem. A solidariedade e a democracia é muito bonita, mas tem dois sentidos e deve assentar no respeito mútuo coisa que aqui não acontece... todos estavam no mesmo barco, 18 ou 19 - mas curiosamente só 3 ou 4 - os mais "pindéricos" é que faliram. Se calhar e por azar nosso ou intervenção divina a crise só se manifestou nos Estados que faliram lote que nós integrávamos!

imaginem só se amanhã ou para o outro dia os moçambicanos, angolanos, guineenses, timorenses e por aí fora, rebuscarem o passado e exigirem as devidas compensações pelos séculos e séculos de colonização portuguesa.
é ainda engraçado que ateus como são recorram tanto á sabedoria divina. sinais dos tempos


Ai meu Deus disse...

Caro/a anónimo/a,

no que me diz respeito, enquanto "segundo respondedor", deixo três notas, para esclarecer o meu comentário anterior:

a) no texto inicial (o que deu origem aos comentários) não me pronunciei sobre a dívida grega, nem sobre se deveria ser paga ou não, nem sobre a solidariedade... Tenho opinião sobre isso, tenho, mas o objetivo do texto foi outro: tentar mostrar o que eu acho que é uma má argumentação, quando se trata de defender uma tese. Aliás, de passagem refiro que nesse texto considero maus, na sua maioria e sob esta perspetiva, tanto os comentários "de um lado como os do outro";

b) é verdade que não sou (religiosamente) crente; mas não vejo porque é que não hei de "recorrer" à sabedoria divina; peço-lhe que releia o meu comentário anterior para verificar que a usei como metáfora, nada mais; e usei-a, porque é mais uns dos "ditados populares" (voz do povo, voz de Deus) e o seu primeiro comentário se baseia fundamentalmente neles;

c) já agora e em nome do rigor... não sei a quem se refere a frase "ateus como são". Sendo plural, pergunto-me: além de mim,
- refere-se ao outro "respondedor"? suponho que não será, supondo também que não o conhecerá;
- refere-se aos restantes colaboradores que escrevem no "Ai Jesus!"? supondo que é, não sei como é que estendeu a eles tal conclusão. Uma das características desses colaboradores é a nossa diversidade de "posições ideológicas"; no que se refere à crença em Deus, eu próprio (que conheço os outros noutros aspetos) não lhe saberia dizer onde se situam alguns. Talvez valha a pena não nos fiarmos tanto em "intuições fáceis" -- outra particularidade da chamada sabedoria popular. ;-)

Um abraço.

Ai meu Deus disse...

Deixo o "link" para a canção do Chico Buarque, a quem fiz referência no meu primeiro comentário:

Bom Conselho

Anónimo disse...

pois. mas os graves problemas que afectam os gregos não se resolvem com a solidez dos argumentos... isso é teoria para ensinar nas escolas.
a Grécia é um problema real e se não quer ser ajudada "salta fora" e reergue-se a partir das "cinzas", isso sim, eu apreciaria. tal como Portugal deveria fazer.
o problema é que todos contestam o modelo capitalista, mas ninguém faz nada para viver á margem dele. há muitas manifestações aquando dos cortes salariais - matéria económica - mas nenhuma ou quase nenhuma por questões políticas substantivas. Em Portugal tsu e corte salarial foi o que se viu, mas por outras questões, é o que se vê. A geração actual que tem empregos e rendimentos apenas quer assegurar o bem estar imediato não se importando se por exemplo daqui a dez anos as reformas serão metade ou um terço do que são hoje. voltemos ao povo: gregos e portugueses actualmente, sorrateiramente, estão a guiar-se pelo antigo adágio: "quem vier a seguir que feche a porta".
os gregos não querem abandonar o modelo capitalista, apenas querem ser financiados para lá permanecerem, tal como os portugueses, dando o menos possível em troca. Em suma querem continuar a viver com o que os outros ganham.
pois olhe que eu enquanto conservador e liberal em nome de um ideal nacional bem conduzido, não me importava de ver o meu rendimento, que não é assim tanto, substancialmente reduzido - como aliás já está e irá continuar - enquanto se edificava um outro alicerce - que não apenas económico e financeiro - para a sociedade do futuro. mas esse desígnio não move ninguém...
quem tornou as sociedades desiguais foram os governantes que para se manterem no poder acederam apenas ao interesse imediato dos que estavam no dito sistema.
nunca mais haverá socialismo na europa por duas razôes: a primeira é que a europa já pouco tem para distribuir; a segunda derivada desta, é que os socialistas são especialistas em distribuir e totalmente incompetentes em produzir e criar riqueza. Para que se perceba veja-se o caso português: 40 anos de democracia, três "bancas rotas" pela mão de comunistas e socialistas, três recuperações pela mão dos "liberais". Meus amigos, são factos, não são argumentos.
o modelo capitalista triunfou porque a espécie humana é naturalmente egoísta e individualista. o resto é conversa que não leva a lado nenhum.

é sempre bom invocar a excelente música que eu tanto aprecio do Chico que eu vejo e aprecio como músico e letrista de excepção, para quem, naturalmente, a realidade política forneceu muito e bom material, mas não o aprisionou ao seguidismo de tantos outros... ou seja, em todo o tempo e qualquer lugar a sua crítica continua a ser livre e desapaixonada. Combateu os fascismos, mas não foi de mão beijada saudar os socialismos, para os quais, aliás também não foi nem tem sido meigo.

Ai meu Deus disse...

Caro/a anónimo/a,

quando afirma: "mas os graves problemas que afectam os gregos não se resolvem com a solidez dos argumentos...", é possível que tenha razão. Ou não, o que para aqui tanto faz. O assunto do meu texto, repito, não é esse, nem o capitalismo nem o seguidismo nem sobre o conservadorismo nem sobre o liberalismo... Não é sobre isso. Queria que fosse? pois... mas não é!

Anónimo disse...

então é sobre o quê?
a composição etérea de uma crise? ou da arte de dizer tudo e o seu contrário?

Ai meu Deus disse...

Prontusssss! eu digo. Pensei que o texto (que o meu amigo leu, claro), a começar pelo título, fosse esclarecedor. Mas, admitindo que não é...

1. Do título: "na rede [36] A ARGUMENTAÇÃO É GREGA"

2. Do conteúdo:
a) "Um texto, argumentativamente medíocre"
b) "A primeira exceção mostra o ponto fraco do texto (numa perspetiva argumentativa)" (i.é, o caráter emotivamente vago da argumentação)
c) "O comentador João Antunes contrapõe um texto com a mesma "estrutura"" (argumentativa)

O texto é, portanto, não sobre "a composição etérea de uma crise" nem sobre "a arte de dizer tudo e o seu contrário", mas sobre a argumentação. Sobre a (má e a boa) argumentação.