Para não esquecer...

hoje é sábado 337. VÉSPERAS

A idade traz-me as metáforas do perigo
e também as suas regas
no desastre.
Vejo chegar a noite e com ela um poema do Eugénio,
magríssimo, cauteloso, cioso das suas sílabas
e da cal apagada junto à boca.

Agarro o seu silêncio
que se deixa cair perto do mar.
As rochas do outono estendem as mãos grossas
para me alcançarem o corpo.
Mas o meu tempo é cada vez mais frágil
e entre o vento e a chuva uma pequena luz parece
que germina.

Sem a claridade dos pássaros o poema não voa,
no chão a palavra rasteja secura
da tarde abandonada.
São os olhos da terra que mais doem, a erva amraga,
e cantar ao crepúsculo passa a ser uma cegueira,
a bem dizer, um crime.
[Carvalho, Armando Silva, A Sombra do Mar, Assírio & Alvim, s/l, 2015, pág. 39]

escrito por Carlos M. E. Lopes

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