Manuel Vasquez Montalbán dizia que, antifranquistas, em Espanha, não enchiam um autocarro (antes da queda do ditador). Javier Cercas, também catalão, acrescenta e nem um minibus…
A seguir ao 25 de abril, toda a gente queria mostrar curriculum antifascista, mesmo que não tenham levantado um dedo contra a ditadura.
Em Santo Estêvão sucedia o mesmo que em todo o país. Havia gente à procura de glória ou de momentos que ilustrassem a sua firme oposição ao regime.
Florentino Rocha, nem seria o caso, sentado à porta da venda do meu pai, dizia “quando estive preso, nós...”. O vizinho do banco, que não o conhecia, quis desde logo saber mais, feliz por poder estar ao lado de um denodado resistente antifascista. Se era uma glória para a vítima, seria um momento de prazer para o ouvinte que poderia compartilhar aquele momento único: ouvir diretamente da boca de uma pessoa que arcou com o vexame de ver a sua liberdade violada por um governo sanguinário, injusto, ilegítimo. Ali estava um homem que, calado, tinha sofrido a injustiça e a violência de lutar pela liberdade, sujeito a ter sofrido, nas masmorras do regime, o opróbrio, a humilhação e a privação do bem mais precioso: a liberdade.
A medo, o vizinho ousou perguntar a razão de tal provação e indagou “qual o motivo?”. Aí o Florentino foi direto, mas sibilino, cauteloso: “política, claro”. O outro meneou a cabeça, em jeito de compreensão e reprovação ao que tinha acontecido, pôs um ar de reflexão, assentiu com a cabeça e mostrou um ar de respeito compreensivo.
Era tarde, o vizinho destraçou as pernas, levantou-se, foi dentro da taberna, pagou os copos de vinho que haviam bebido, em sinal de respeito e consideração, pegou na bicicleta e partiu direito a casa.
O Florentino tinha dito a verdade mentindo. De facto, ele havia sido preso por motivos políticos, isto é, por motivos de política… criminal: havia ido dentro por ter sido apanhado a roubar azeite num lagar…
escrito por Carlos M. E. Lopes
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E sabes que nesse assalto morreu um colega que o acompanhava?
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