José Neto era um patrício meu. Eu raramente sabia onde viviam os meus patrícios. A freguesia era relativamente grande, o casco urbano diminuto, as cerca de duas mil pessoas viviam dispersas pelo campo. Julgo que o Sr. Neto viveria pela Vale da Palma, por aí. Não sei ao certo.
O Sr. Neto contava-me que tinha estado na Marinha, na garbosa marinha de guerra portuguesa, e assistira a escaramuças várias.
Uma ocasião, no Terreiro do Paço, havia tiros vários. Um marinheiro, abnegado e corajoso, debaixo de fogo da parte contrária, conseguira resgatar o corpo de um camarada de armas que havia sido varado pelas balas das forças contrárias. Debalde, o homem havia morrido e nada a fazer.
A hierarquia, atenta a atos de bravura, como é apanágio dos nossos maiores, não deixou a coisa sem recompensa e medalhou o homem e louvou-o na caderneta militar, para que o ato heroico ficasse indelevelmente gravado na memória do marinheiro e este pudesse mostrar, com o orgulho que o caso justificava, aos seus descendentes e às gerações vindouras, a cepa de que era feita aquele catedralesco soldado e que o colocou no cume dos heróis da sua terra.
O Sr. Neto dizia-me “mentira, Carlinhos. Ele sabia que o camarada estava morto. Ele foi buscá-lo, arrastou-o para fora da zona de fogo, só para lhe roubar as botas”.
E assim se denigre um ato heroico.
escrito por Carlos M. E. Lopes
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