Para não esquecer...

ANTOLOGIA POÉTICA * 14

NOITE OU CENÁRIO DA FUSÃO
(PELO CORO DOS HOMENS SEM)

«Negro que pode haver na pólvora:
Negro de vida, não de morte
»
João Cabral de Melo Neto

Uma furtiva lágrima ébria copulou com o nosso olhar
enlatando os limites que as cores erigem
tingindo-as do negro mais barato.
Mergulhados no derbal podemos mijar e gritar
pois não há altos nem baixos nem nada
para agarrar. Temos o cérebro demasiado vazio
para o encher de temores – só de amores.
Amalhem-se as florinhas pelo chão!

Saiu o negro que há na vida
o negro do sapo que sapeja no granuloso
o negro que no pomo é ameaçador
o negro do coração das coisas, mesmo das claras,
o negro do burro da pedra do duro
o negro da flor que medra.
Não o negro da noitinha de verão
Não o negro da cantiga do papão.

O negro da mula calma, atrelada,
não o do carro funerário que se atrela,
Da mula de olho baço, prismático,
Eunuquizada pela fome das moscas
que crescem na sua crosta queimada
pois a noite nocturna também cresta.
Das moscas de cor de cardo, indecisa,
que na sombra com sombra se matiza.

Finquemo-nos!
                       Apaguemo-nos!
                                              Descalcemos os sapatos!
para sentirmos a boca atafulhada
finquemo-nos!
                                       Apaguemo-nos!
                                                                 Descalcemos os sapatos!
Quando gritarmos o drama do homem só.



[Carrapato, Júlio. História de um clã, Edição do autor (?),Lisboa, 1965, pp. 15-16.]

escrito por Carlos M. E. Lopes


0 comentário(s). Ler/reagir: