Para não esquecer...

29
nov
2022

ANTOLOGIA POÉTICA * 24

Não se mate


Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está VENDO:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as boas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a note passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

[Andrade, Carlos Drummond. Antologia Poética, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2001, pp. 186-187]

escrito por Carlos M. E. Lopes

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