INFÂNCIA
Nesse tempo eu
amava o papa-figos –
o som dos sinos a levantar-se
ao longe, a descer
pela cobertura de folhagem
quando nos reuníamos na orla da floresta,
numa folha de erva alinhavam-se
bagas vermelhas; com o seu
carrinho passava
O judeu cinzento.
Depois, ao meio-dia, na sombra
negra dos amieiros o gado
chicoteava com o rabo, irritado,
a afugentar as moscas.
Depois caía do céu
aberto a torrente larga
da chuva; passada a escuridão
sabiam bem as gotas,
como terra.
Ou eram os moços que chegavam
pelo carreiro da margem com os cavalos,
montados nos dorsos castanhos
reluzentes passavam a rir
o fundo vau
Atrás da cerca
acastelava-se o zumbido das abelhas.
Mais tarde, pelo mato de espinhos junto ao lago
desfilava o matraquear argênteo
do medo.
Uma sebe, afogada
em escuridão porta e janela.
Aí cantava a velha no seu
quarto com cheiros. O candeeiro
zoava. Entravam os homens,
chamavam os cães
por cima do ombro.
Noite, repartindo-se longa no silêncio –
Tempo, cada vez mais fugindo, mais amargo
ficando de verso para verso:
Infância –
Nesse tempo eu amava o papa-figos
[Bobrowski, Johannes. Como um respirar: Antologia poética, Livros Cotovia, Lisboa, 1991, pp. 3 e 5.]
escrito por Carlos M. E. Lopes
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